“Trindade: li e concordo com o termos”

Se você está em uma igreja que tem pregação bíblica sólida, deve ter ouvido a palavra “Trindade”. Os ensinamentos sobre a unidade de Deus, a divindade de Cristo, e as distinções pessoais entre Pai, Filho e Espírito Santo são ensinamentos sobre a Trindade, ainda que o nome não seja sempre mencionado. 

Essa é uma doutrina cristã importante e fundamental, mas parece que a maioria das pessoas nunca pensa sobre ela. A dificuldade que a doutrina da Trindade apresenta faz com que ela seja evitada. A sensação pode ser parecida com aquela de “li e concordo com os termos”, sem  qualquer esforço em conhecer mais sobre o Deus que é três pessoas, e absolutamente diferente de todo e qualquer deus que nos seja apresentado.

Amar a Deus resulta em desejar conhecer mais profundamente o que nos foi revelado na sua Palavra sobre quem Ele é, ainda que sejam verdades que nossa mente, afetada pelo pecado, encontre desafios e dificuldades de compreensão. 

Em sua Teologia Sistemática, Herman Bavinck, no capítulo sobre a divina trindade, escreve: 

“É nessa Trindade santa que cada atributo do Seu Ser alcança, digamos, o seu conteúdo pleno e o seu significado mais profundo. Somente quando nós contemplamos essa Trindade é que nós descobrimos quem e o que Deus é. Só assim nós podemos descobrir quem e o que Ele é para essa humanidade perdida. Nós só podemos descobrir isso quando nós o conhecemos e o confessamos como o Deus Triúno do Pacto, como o Pai, o Filho e o Espírito Santo.”

Verdades que nos ajudam a crer na Trindade

Diante da grandeza e complexidade de Deus, e da nossa condição humana limitada e afetada pelo pecado, algumas verdades e a sistematização de conceitos nos ajudam no esforço de compreender a Trindade.

A palavra “Trindade” não é encontrada na Bíblia, e alguns dos opositores se apoiam nessa afirmação para negá-la. Mas a doutrina de um Deus que é 3 pessoas pode ser amplamente provada pelas verdades bíblicas. Em 2 Coríntios 13.13, por exemplo, as 3 pessoas são mencionadas. O relato da criação começa com a Trindade resolvendo criar (Gn 1.26,27). 

Afirmações encontradas na Bíblia nos dão fundamentos para crer na Trindade: 

  • Deus é um e só há um Deus (Dt 6.4);
  • O Pai é Deus (1Co 8.6); 
  • O Filho é Deus (Jo 8.28);
  • O Espírito Santo é Deus (Jo 4.24);
  • O Pai não é o Filho (Jo 8.29);
  • O Filho não é o Espírito (Gl 4.6);
  • O Espírito não é o Pai (Jo 16.13).

Uma música de Stenio Marcius e Diego Venâncio expressa as verdades sobre a trindade.[1] Ela diz o seguinte: 

“Há um só Deus, somente um Deus

O verdadeiro e eterno Deus

Há um só Deus, somente um Deus

O verdadeiro e eterno Deus

E Deus existe em três pessoas

O Pai, o filho, o Espírito Santo

O Pai, o filho, o Espírito Santo

É um só Deus, em três pessoas

O Pai, o filho, o Espírito Santo

O Pai, o filho, o Espírito Santo”

O diagrama também é útil para “visualizar” a dinâmica da Trindade.

As palavras “essência” e “pessoas” são fundamentos importantes para entender a Trindade. Ao pensar em “pessoas”, entenda indivíduos particulares, distintos. Portanto, a Trindade são três pessoas distintas, e há características próprias em cada uma delas. Elas, contudo, possuem a mesma essência divina. Todas as pessoas da Trindade são “Deus”. As três pessoas compartilham a mesma essência, ou a mesma deidade. Um não é mais Deus ou mais divino do que o outro, e não há qualquer grau de subordinação, nem mesmo de honra, entre as três pessoas. O Pai não é maior em essência do que o Filho, nem o Filho é maior do que o Espírito Santo. O Pai não deve ser mais adorado do que o Espírito, ou o Espírito mais do que o Filho.

A Trindade nas declarações de fé e na história da Igreja 

Na declaração de fé da equipe do TPM, afirmamos crer na Trindade. E se você pertence a alguma igreja histórica (refiro-me a igrejas quem mantêm uma confissão de fé), vai encontrar documentos que declarem (ou não) a crença na Trindade.[2]

Nesses documentos históricos, há a afirmação da Trindade é essencial e mostra como a historia da igreja cristã preservou essa doutrina.

No credo apostólico, lemos: 

“Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra. E em Jesus Cristo, seu único filho, nosso Senhor, o qual foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu ao inferno, no terceiro dia ressuscitou dos mortos, subiu ao céu, e está sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso, donde há de vir a julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo, na santa Igreja Cristã – a comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne e na Vida Eterna. Amém.”

A  Pergunta 6 do Breve Catecismo de Westminster trata da Trindade:

“Quantas pessoas há na Divindade?

Resposta: Há três pessoas na Divindade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo, e estas três pessoas são um Deus, da mesma substância, iguais em poder e glória.”

A Pergunta 3 do Catecismo Nova Cidade é sobre Deus: 

“Quantas pessoas existem em Deus?

Resposta: Há três pessoas no único Deus vivo e verdadeiro: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Eles são iguais em substância, iguais em poder e glória.”

Como NÃO entender a Trindade 

O uso de analogias é uma das formas mais comuns na  tentativa de compreender a Trindade. As analogias mais usadas são: os estados da água, as partes do ovo e a vela. Todas essas tentativas de explicar a Trindade são inapropriadas e incompletas, em geral, porque levam ao entendimento de  que Pai, Filho e Espírito Santo são três modos separados de manifestação do mesmo Deus. Essa maneira de entender a Trindade é conhecida como “modalismo”.

Outra explicação,  conhecida como “subordinacionismo”, afirma que o Pai é o único Deus, e o Filho e o Espírito Santo são criaturas subordinadas, ou seja, Jesus e o Espírito Santo não são Deus.

Já o “triteísmo” afirma que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são três deuses. 

Todas essas visões descaracterizam e faltam com a realidade do nosso  Deus trinitário, porque, como escreveu A. W. Tozer em “O conhecimento do Santo”,  estamos enxergando o Deus infinito através da nossa humanidade finita e limitada:

“É evidente que aqui somos necessariamente impelidos a pensar em Deus em termos humanos. Pensamos sobre Deus em analogia com o homem, e o resultado fica aquém da verdade absoluta. Entretanto, para chegarmos a pensar em Deus, é mister que o façamos adaptando ao Criador pensamentos e palavras de criatura.

[…] Estamos concebendo pensamentos de criatura e empregando palavras de criatura para expressá-los. Tanto os pensamentos quanto as ações são impróprios para aplicar-se à Deidade.”

“Li e concordo com os termos” não é suficiente

Concordamos com obrigação e a necessidade de conhecer  e prosseguir  em conhecer a Deus (Os 6.3), mesmo que a prática não reflita isso necessariamente. Nossos discursos são facilmente confrontados quando consideramos a Trindade, que embora não seja uma doutrina negada, e por vezes afirmada como essencial, parece-nos  obscura, estranha, difícil e desconfortável. A atitude que temos é de uma aceitação, daquelas que fazemos para seguir logo em frente, e fugir do tema.

Ainda que nossa mente não tenha compreensão plena, a busca do conhecimento de Deus faz parte da nossa santificação e vida com Ele. Precisamos diligentemente nos esforçar para que a Trindade afete nossa vida e seja mais do que “li e concordo com os termos”. 

Diante de todas as explicações, tudo ainda é difícil, e as perguntas de ordem prática vêm à mente: “O que faço com tudo isso e com esse Deus que é três pessoas?”, “Qual a implicação da Trindade no meu relacionamento com o Senhor?”, “Que diferença esse Deus trino faz para qualquer coisa na minha vida cristã?”

Para responder a essas perguntas, vamos refletir em como a nossa natureza humana e afetada pelo pecado reflete a nossa necessidade de Deus e do que Ele fez por nós.

O Deus Trino, nossa identidade e nossos anseios

Desde os nossos primeiros pais, Adão e Eva, nosso pecado é sempre a idolatria. Desviamo-nos, buscando aquilo que ansiamos em outras fontes que não Deus, moldamos nossos próprios deuses.  Moldamos Deus baseado nas nossa necessidades, emoções e preferências. O deus do amor próprio é mais confortável, e algo com o que podemos lidar.  Mas o Deus Triúno é radicalmente diferente de qualquer outro “deus”.

A Trindade se torna incômoda para nós porque, em vez de começar do zero e perceber um Deus que não pode ser concebido por nada parecido com o que nossa mente humana é capaz de imaginar, procuramos a partir dos nossos referenciais de conforto humano e terreno o deus que a natureza trinitária de Deus não oferece. C. S. Lewis, em “Cristianismo Puro e Simples”, escreve sobre nosso conforto em total oposição ao que o Deus trino é: “Se eu fosse lhe recomendar uma religião para fazê-lo se sentir confortável, certamente eu não recomendaria o cristianismo.”

Somente o Deus Trinitário pode suprir nossos anseios, porque a Trindade responde ao desejo e à procura humana por amor. Ainda que muitos neguem, não entendam ou não reconheçam essa necessidade, nós a entendemos e reconhecemos.

A Trindade responde ao anseio do amor porque ela  é relacional. Se Deus não fosse uma Trindade, ele não poderia ser amor nem ser Deus. A Trindade, que vivia em perfeita harmonia e não precisava de nada, escolheu criar o homem à sua imagem e semelhança e se relacionar com ele. O ser humano, idólatra de si mesmo,  trocou o perfeito amor de Deus Pai, Filho e Espírito pelo amor a si mesmo ao questionar Deus e sua bondade, supondo que poderia adquirir algo melhor do que aquilo que Ele lhe havia dado (Gn 3).

A Trindade, em amor, age para se reconciliar com a sua criatura, que lhe virou as costas. O Pai enviou seu Filho para sofrer e morrer por nós, para que voltássemos à comunhão com Ele. A Trindade oferece uma vida no Espírito, que somos chamados a desfrutar. Reconciliados com Deus, somos feitos filhos do Pai e irmãos adotivos do Filho. 

Você pode pensar que agiria de maneira diferente dos nossos primeiros pais, mas nossa cultura nega abertamente o amor do Deus Trino e busca sua definição à parte dELe e a partir dos seus próprios desejos e padrões. Nossa cultura é a da autodefinição, em que o indivíduo é o que sente ou diz que é. A pessoa faz ou deixa de fazer porque sente ou não sente. Mas a cultura da autodefinição aceita que você defina tudo, menos a responsabilidade por seus atos e escolhas. Como nossos primeiros pais, que culparam a serpente e a mulher, colocamos nossas culpas no nosso passado, no nosso contexto, nas nossas emoções, nas nossas circunstâncias… Todos os argumentos viram as costas para o Deus Trino e voltam ao individualismo. A promoção da autossuficiência está radicalmente em desacordo com o que significa ser à imagem do Deus trino.

Maravilhados com o Deus de quem somos imagem

A Trindade, portanto, não deve ser deixada de lado. Pode parecer um mistério impossível, mas é algo que está revelado nas Escrituras. Verdade apresentada, mas não totalmente revelada, ela aplica-se a cada centímetro da nossa vida, porque o Deus que não precisava de nada demostra amor ao criar e se relacionar com as criaturas feitas à sua imagem, alvo do seu amor, e, mais ainda, resgatá-las e torná-las livres de si mesmas.

Diante da Trindade, somos convidados a contemplar e nos maravilhar com o Deus que é três, a nos esforçar e prosseguir em conhecê-lo mais, e assim sermos cada dia mais à imagem do Deus Trino. 

Por Jéssica Sayuri.

Referências

[1] Você pode ouvi-la aqui: “A Trindade”.

[2] Conheça na íntegra alguns desses documentos confessionais históricos, mas amplamente afirmados por igrejas reformadas: https://voltemosaoevangelho.com/blog/credos-e-confissoes/

Sugestões de leituras adicionais para se familiarizar e aprofundar no tema: 

“Deleitando-se na Trindade”, Michael Reeves, Editora Monergismo;

“O conhecimento do Santo”, A. W. Tozer, Impacto Publicações;

“O que é a Trindade?”, R. C. Sproul, Editora Fiel, Série questões cruciais;

“Somos todos teólogos”, R. C. Sproul, Editora Fiel (caps. 9-13).

Um comentário

  1. Que ensino necessário! Como é bom compreender os mistérios de Deus, que nos são revelados atraves do estudo e meditação da sua palavra.
    Muito obrigada!

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