Uma mulher chamada Jeosabeate

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Talvez você nunca tenha escutado ou lido esse nome. Ele passa despercebido em meio a tantos nomes de reis, bons e maus, que fizeram parte da história de Israel. É interessante que, embora esta mulher seja quase anônima, ela teve um papel muito importante na história do povo de Deus. Ela contribuiu de uma forma muito especial para a continuidade da linhagem messiânica. Não é à toa que seu nome consta neste relato. Em meio a tantos acontecimentos importantes nesse período Jeosabeate quase não é vista, mas ela está lá cumprindo aquele nobre propósito para o qual Deus a havia chamado e temos muito a aprender com ela.

Para compreendermos melhor a história, vamos ao contexto. Deus havia prometido a Davi que se seus filhos guardassem o Seu caminho e andassem fielmente perante a Sua face, de todo o coração, então, nunca faltaria um sucessor a Davi no trono de Israel, em outras palavras, o reinado de Davi seria para sempre por meio de seus descendentes [sabemos que essa promessa se referia objetivamente a Jesus e se cumpriu nEle, pois Ele foi o descendente fiel que foi totalmente fiel a aliança]. Porém, Salomão – que sucedeu seu pai Davi ao trono – não demorou em se desviar dos caminhos do Senhor e quebrar a aliança. Salomão se entregou à idolatria e como consequência do seu abandono, Deus prometeu que tiraria o reino de suas mãos e o entregaria a um de seus servos. Porém, por amor a Davi, Deus disse que não faria isso durante o reinado de Salomão, mas de seu filho, o próximo na linha sucessória do reinado. Por amor a Davi também, Deus prometeu que não tiraria o reino por completo da linhagem de Davi, Ele manteria Sua promessa, deixando uma tribo para o filho de Salomão, ou seja, ainda haveria um remanescente da linhagem de Davi (cf. I Reis 2:4, 11:9-13). Em resumo, devido a idolatria de Salomão e a quebra da aliança, o reino de Israel seria dividido durante o reinado de seu filho, Deus também já havia escolhido quem assumiria a outra metade do reino, um jovem chamado Jeroboão, servo de Salomão.

Os anos passaram e, após quarenta anos de reinado, Salomão morreu e em seu lugar reinou Roboão, seu filho. Roboão era jovem, inexperiente e insensato e por sua falta de sabedoria, acabou protagonizando a divisão do reino. Isso porque, ao invés de seguir o conselho dos sábios e buscar um reinado em paz com o povo, Roboão decidiu impor um jugo pesado demais aumentando as taxas de impostos, o tempo de serviço dos trabalhadores. Isso acabou gerando uma revolta por parte das tribos localizadas ao Norte. Por fim, as tribos do Norte decidiram romper com a casa de Davi e se tornaram independentes sob o reinado de Jeroboão. Jeroboão reinou sobre as dez tribos do Norte de Israel, enquanto Roboão reinou sobre a tribo de Judá e Benjamin (cf. I Reis 12:1-20; II Crônicas 10:1-19).

Por isso, em I Reis e I Crônicas, vemos relação dos reis que reinaram simultaneamente em Judá (reino do Sul) e em Israel (reino do Norte). Nessa relação é possível perceber que a maioria dos reis foram maus, idólatras e levaram o povo a um desvio doutrinário. Eles fizeram alianças com reis pagãos e trouxeram elementos dessas religiões para dentro da nação, isso ocorreu de ambos os lados, tanto no reino do Norte quanto no reino do Sul. Ao passo que alguns reis, como Acabe (rei de Israel), se destacaram por sua maldade, outros, como Josafá (rei de Judá), se destacaram por sua devoção a Deus, mas mesmo estes que andaram nos caminhos do Senhor tiveram suas falhas.

O rei Josafá fez muitas alianças com reis ímpios, um deles foi o rei Acabe, essa falha repercutiu no reinado de seus filhos e seus netos, porque seus filhos se casaram com as filhas de Acabe e isso fez com que eles se desviassem da Palavra do Senhor.

Então, finalmente, chegamos a II Crônicas 22 onde, após uma série de eventos lemos a seguinte situação: Acazias, o herdeiro do trono de Judá era filho de Atalia, que por sua vez era filha de Acabe, o v. 3 nos diz que Atalia, a rainha-mãe, aconselhava o rei Acazias a agir iniquamente, ou seja, ela, como toda a família de Acabe, era totalmente ímpia. E após o assassinato do rei Acazias, seu filho, Atalia decide usurpar o trono de Judá – veja bem, Deus havia prometido que sempre haveria um descendente (homem) de Davi no trono e de repente surge essa mulher maluca, que sequer era da linhagem de Davi, e decide usurpar o trono. Obviamente que para ela conseguir realizar essa faceta, não poderia haver outros concorrentes ao trono, por isso, ela matou toda a descendência real da casa de Davi (cf. 22:10-12), ou melhor dizendo, quase toda a descendência.

Deus, em Sua providência, mesmo diante do intento satânico de Atalia, preservou um representante da linhagem messiânica, um remanescente. Quando tudo parecia perdido, eis que surge um facho de luz, a linhagem de Davi não havia sido completamente destruída [porque os planos dos homens não podem frustrar os propósitos de Deus]. O texto nos introduz uma mulher de quem nunca tínhamos ouvido falar, seu nome era Jeosabeate, irmã do falecido rei Acazias. Diante daquela tragédia em que todos os filhos de Acazias estavam sendo mortos por Atalia, Jeosabeate tomou a Joás, o filho mais novo do rei, que devia ter no máximo um ano de idade e o escondeu numa câmara dentro do templo e ali ele cresceu sendo cuidado por sua ama até os sete anos de idade quando assumiu o trono (II Crônicas 24:1).

Jeosabeate não apenas salvou a vida de seu sobrinho Joás como também foi usada por Deus para preservar a linhagem messiânica. Provavelmente naquele momento ela não fazia ideia da dimensão de sua ação. Se ela agiu por instinto, zelo, amor, interesses políticos, não sabemos, mas o fato é que a ação dessa mulher ecoou por gerações e através da vida dela nós também fomos agraciados. É fato que mesmo se ela não tivesse agido, Deus teria encontrado outros meios para preservar a vida do rei Joás, ou de outro descendente de Davi, mas Deus escolheu usar essa mulher cuja vida não recebeu grande destaque. Uma mulher que não estava sob os holofotes do palácio, que não estava na capa das revistas do momento, mas estava no lugar certo, o lugar que Deus a colocou.

As poucas informações que temos sobre Jeosabeate é que ela era filha do rei Jeorão, irmã do rei Acazias, tia do rei Joás [enteada (ou filha) da rainha Atalia] e esposa do sacerdote Joiada[1]. Ela estava cercada de pessoas ilustres, mas não buscou prestígio para si. Em contraste com Atalia (com sua mania de grandeza e desejo compulsivo por domínio e poder) Jeosabeate, uma mulher notável, fez muito pelo reino sem que pra isso precisasse aparecer ou usurpar o lugar de alguém (embora tivesse muito mais “direito” a isso).

É impossível ler essa história e não se lembrar de uma outra mulher que também salvou a vida de um bebê; Miriam, que com astúcia tomou o pequeno Moisés e o colocou nas águas do rio Nilo para preservar sua vida, a vida daquele que mais tarde Deus usaria para libertar o seu povo. Como é maravilhoso saber que Deus usa pessoas comuns pra cumprir Seu desígnio eterno.

Você já teve a sensação de não estar fazendo muito pelo Reino de Deus e por sua obra aqui na terra? Eu já. Aliás, por muito tempo, me sentia totalmente inútil na “obra de Deus”. Eu lia sobre pessoas que deixavam tudo para servir a Cristo em lugares longínquos, pessoas que se envolviam em grandes causas sociais, com grandes projetos, grandes trabalhos e então, olhava para mim e me sentia uma cristã fracassada. Até que um dia, meditando e orando, me dei conta de que Deus deu uma vocação para cada pessoa e que minha missão neste mundo consiste em viver essa vocação. Essa vocação é exclusivamente minha, ninguém pode vivê-la por mim, bem como eu não posso viver a vocação de outros, ela pode parecer pequena aos meus olhos ou aos olhos de outros, mas foi dada sob medida para mim (Veja Mateus 25:14-30).

Jeosabeate viu seu pequeno sobrinho Joás nascer e crescer, mas não podia imaginar o quão profundamente relacionada a ele estava sua vocação. Deus a colocou nos lugares estratégicos, para que no momento certo ela pudesse cumprir aquele papel. Ela não era somente parte da família real, ela era também esposa do sacerdote Joaiada. Logo, quem melhor que ela para ter acesso sigiloso a um lugar do templo para esconder Joás? Deus já havia preparado tudo, mas Jeosabeate não sabia disso, ela estava simplesmente vivendo, mas enquanto vivia, ela estava cumprindo sua missão, ela estava exatamente no lugar que Deus designou pra que ela estivesse.

E como saber se você está exatamente onde Deus te designou para estar? Simples, a prova disso é que você está exatamente onde está! Se Deus não tivesse um propósito pra sua vida aí, certamente, você não estaria nesse lugar. Como disse Paulo aos atenienses: Não por acaso, Deus se ocupou em estabelecer o lugar e o tempo em que cada ser humano iria viver (Atos 17:26).

Talvez nesse momento você não tenha ideia daquilo que Deus está fazendo através de você (e em você), talvez, em certos momentos, suas ações e sua vida pareçam insignificantes, mas os planos de Deus nunca são insignificantes, podem parecer ordinários num momento, mas eles vão muito além da nossa percepção. Por vezes, nos dedicamos em algumas áreas e no fim das contas parece que o que fazemos não está produzindo fruto nenhum. Todo nosso esforço parece inútil e pequeno. Mas o apóstolo Paulo disse que no Senhor, o nosso trabalho nunca é vão; absolutamente nada do que fazemos é insignificante pra Deus, até mesmo o simples ato de dar um copo d’água a um necessitado ou doar roupas a quem precisa é algo significativo no reino espiritual; em cada ação estamos sendo instrumentos de Deus neste mundo, quer percebamos isso ou não; quer os outros percebam e reconheçam isso ou não.

“Dedicai-vos, dia após dia, à obra do Senhor, plenamente conscientes de que no Senhor, todo o vosso trabalho jamais será improdutivo” (1 Co 15:58)

Por isso, se concentre na sua vocação; não queira ser ou fazer o que outra pessoa está fazendo porque cada pessoa é singular e, portanto, possui uma missão singular. Deus está cumprindo um propósito através de você dentro da sua família, na sua faculdade, entre os seus amigos e vizinhos. Há uma razão pela qual Deus te chamou e te colocou exatamente onde você está agora, não menospreze isso.

Quando falo da obra de Deus não me refiro somente ao aspecto espiritual dessa obra, pois toda a Criação é obra de Deus. Qualquer aspecto da Criação de Deus no qual você se propõe a trabalhar para a Sua glória é a obra de Deus. Pode não ser numa posição de reconhecimento ou numa posição que você consiga medir os resultados, mas isso não é o mais importante. Não avalie sua importância e seu sucesso pelo reconhecimento daquilo que você faz. O sucesso na ótica de Deus é ser fiel a seus propósitos.

A história de Jeosabeate também me fez refletir sobre como Deus se agrada de usar pessoas que, por vezes, não tem o papel principal, elas são apenas coadjuvantes[2]. Jeosabeate é uma delas, seu papel não é o principal na história, mas isso não é um problema para ela, ela cumpre o seu papel dando suporte para que todo o enredo se desenvolva. Embora seu nome não esteja entre os mais famosos da Bíblia, ela serviu ao propósito de Deus.

Que sejamos mulheres como Jeosabeate; nosso desejo não seja por reconhecimento, holofotes, títulos, mas por fazer a vontade de Deus, seja onde for, como for e quando for. No Senhor, o nosso trabalho nunca é vão e tem grande valor para Deus. Não busque grandeza para si, busque servir a Cristo.

Floresça exatamente aí onde você está plantada porque toda a terra faz parte da obra do Senhor.

Que o Senhor nos abençoe

Em Cristo Jesus,

Prisca Lessa

[1] Por ser esposa do sacerdote Joaida, o responsável pelo templo, onde o pequeno Joás foi escondido, é bem provável que Jeosabeate tenha ajudado a criá-lo às escondidas.

[2] Aliás, na perspectiva bíblica todos nós somos coadjuvantes na história de Deus, onde o autor principal é o próprio Cristo.