Teologia das emoções

“Por que será que o choro vem, se o fardo é de algodão?” É assim que Hélvio Sodré começa a música Paraíso. Honestamente, parece que esse é um paradoxo que paralisa muitos cristãos.

Na busca por glorificar a Deus com seu intelecto, herança que cada vez mais tem se espalhado no contexto evangélico brasileiro, principalmente por conta da teologia reformada, passamos a nutrir, de maneira tímida, que nossa fé precisa ser racional para fugir do emocionalismo que esconde uma crença superficial, e que as nossas emoções são inapropriadas, são fraquezas que precisamos guardar numa caixa. Afinal, pensamos, elas não são bem vindas, por que chorar se eu sei que o fardo é de algodão?

Mas, será mesmo que esse pensamento cheio de boas intenções está correto à luz das Escrituras? Será que existe uma resposta que nos leva a usar lentes corretas para compreender como lidar com nossas emoções?

Para meditarmos nisso, vamos ao princípio: existem duas verdades reveladas na Bíblia que precisamos entender para compreender como enxergar nossas emoções de modo sadio. A primeira é: fomos criados à imagem de nosso Criador (Gn 1:26-28). Isso nos leva a compreender que tudo em nós foi criado pelo Senhor e tudo que Ele cria é bom, sendo o pecado uma força que não é capaz de anular o que o Senhor cria, mas de desviar a criação de seu Criador. Ou seja, fomos criados com emoções.

Em segundo lugar, o centro do homem é referido como sendo o coração (Pv 4:23), e a definição hebraica de coração vem da palavra levav ou lev, a qual se refere ao coração como cerne de nossa vida intelectual e emocional. Desse modo, na teologia bíblica, não há dualismo, não é razão versus emoção. Pelo contrário, nossa própria volição, o modo como conduzimos tudo, parte de nosso coração.

Partindo desses pressupostos, lembre-se da Lei positiva de Deus dada em Deuteronômio 6, nos versículos 4 e 5: Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças.

O Senhor não chamou seu povo para viver qualquer tipo de realidade de fé que nos separa em partes, pelo contrário, Ele nos chama a O amar com tudo que há em nós, pois tudo que Ele criou é bom e traz glória a Ele. Ou seja, amar a Deus com nosso coração é O amar com nossas emoções.

Porém, a questão é que a queda afetou todas as áreas de nossa vida e, agora, nossas emoções, criadas pelo próprio Deus, estão contaminadas. Logo, o homem natural padece, pois suas emoções, criadas como uma forma de se relacionar profundamente com Deus, estão distorcidas e quebradas, e tendem a ser um meio de viver uma vida de vícios e autocentrada, e não mais glorificar a Deus e servir ao próximo.

Assim, se pararmos para enxergar exemplos bíblicos, quantos personagens ali, ao darem espaço para suas emoções, acabaram por desonrar a Deus? E nós mesmas? Quantas vezes, ao darmos vazão ao que sentíamos, acabamos por fazer algo contrário ao que somos ordenadas? E, se tratando de mulheres, muitas são as vezes que nossos hormônios nos levam a picos de tristeza, alegria e produtividade. Afinal, parece que a solução mais “fácil” seria só reprimi-las ao máximo para evitar qualquer perigo. Mas esse não é o caminho bíblico, além de ser humanamente impossível.

Pois bem, chegamos naquele glorioso momento em que apontamos para a resposta do Evangelho. A vida cristã diz respeito a viver em novidade de vida quando ouvirmos as Boas Novas e somos levadas ao arrependimento, e, à luz da vida de Jesus Cristo, imitar Aquele que representa a humanidade perfeita, ou seja, quem fomos criadas para ser.

Se, até agora, você entendeu que nossas emoções fazem parte de quem fomos criadas para ser, entenderá que elas certamente podem ser vistas em Jesus. NEle não havia qualquer pecado, e é expresso que Ele tinha emoções.

Jesus chorou (Jo 11:35), Jesus sentiu indignação (Mc 3.5), compadeceu-se (Mt 9:36), sentiu tristeza e angústia (Mt 26:37), alegrou-se (Lc 10:21), e entrou em agonia (Lc 22:43,44). Esses são apenas alguns exemplos. Lembre também que Isaías 53 fala que Cristo era um homem de dores.

Eu não sei você, querida, mas, para mim, entender isso torna tudo mais leve. Não porque seja simplesmente mais fácil lidar com a dor, o medo ou a raiva, mas, por saber que o caminho não é reprimir, mas apresentar tudo ao Pai (1Sm 1:15; Sl 55.:2; 1Pe 5:7) e correr para Ele quando minhas emoções quiserem me dominar e me fazer esquecer da Esperança.

Olhar para o exemplo de Cristo tira o peso exagerado que esse mundo dá aos sentimentos e me lembra que, até nisso, existe graça do Senhor, pois, já não somos escravos e vivemos olhando para o porvir (2 Co 4:17,18).

O convite que faço é para você viver uma fé que sabe chorar com os que choram e se alegrar com os que se alegram, mas também se indignar com a injustiça, entristecer-se com o pecado, vivendo todas essas emoções sob um solo de oração (Sl 3:4; Sl 13) e profunda devoção ao Senhor, de modo que suas emoções não te controlem. Nossas emoções são bênção, mas enquanto vivermos desse lado da eternidade, precisamos sempre lembrar que aquilo que define quem somos é apenas a Cruz de Cristo.

Escritora: Sammara Cristina

Revisora: Lorena Torres

Sugestão de leitura: Organize suas emoções (Alasdair Groves) Ed. Fiel