Sou serva do SENHOR: quando a feminilidade se torna nociva.

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INTRODUÇÃO

Há alguns dias um amigo me fez o seguinte questionamento: o que você entende por feminilidade bíblica? Esse simples questionamento me trouxe algumas reflexões acerca desse tema tão recorrente em nosso meio. Se esta pergunta fosse feita a um grupo de mulheres cristãs, certamente, cada uma teria uma resposta distinta, porém, não muito objetiva. Encontramos essa dificuldade porque a própria Bíblia não traz uma definição acerca da feminilidade. Em virtude disso, antes de tentarmos definir o que é feminilidade bíblica, deveríamos nos perguntar: (1) será que Deus intentou definir, por meio de sua Palavra, o significado da feminilidade? (2) será que ao tentarmos definir taxativamente o significado da feminilidade bíblica não estamos, na realidade, criando e impondo um jugo tão pesado que nós mesmas não conseguimos suportar?  

Será que sem perceber a feminilidade bíblica tem se tornado um ídolo em nosso meio?  

O Que a Bíblia nos mostra é um princípio de vida cristã que se aplica a homens e mulheres. A famosa frase de Elisabeth Elliot[1] se encaixa muito bem naquilo que estou tentando dizer: a mulher não é um tipo diferente de cristão, mas, sua condição em Cristo a torna um tipo diferente de mulher. Em outras palavras, não existe uma forma estritamente estabelecida pela Escritura na qual todas as mulheres devam se encaixar, mas, existe uma essência que deve permear a vida de todo o cristão, a saber, a fé em Cristo. Portanto, ao falar sobre feminilidade bíblica precisamos ter muito cuidado para não acabarmos criando uma religiosidade em torno dela.

A feminilidade se torna algo ruim a partir do momento em que passamos a enfatizá-la mais do que a Cristo e sua Palavra. Quando passa a ser algo muito mais relacionado a mim – quem sou, o que faço e deixo de fazer – ela se torna um ídolo. O cerne da vida cristã não é o que eu faço para Cristo, mas, sim, o que Cristo fez.

O que uma mulher precisa para viver de acordo com os padrões de Deus é simplesmente crer no Evangelho e aplicá-lo em sua vida. Este é o cerne da vida cristã, válido para todos aqueles que vêm a Cristo.  Precisamos ser lembradas disso. Se a ênfase do ensino bíblico (para mulheres?) não repousa sobre a feminilidade, por que deveríamos enfatizá-la tanto em nosso meio?

Veja bem, minha intenção não é menosprezar o dom da feminilidade, mas refletir acerca de como o temos usado para a glória de Deus. Assim sendo, as palavras que escrevo aqui são, antes, um confronto para o meu próprio coração. Eu oro a Deus para que elas possam ser úteis para minhas irmãs em Cristo também.

DEUS É SOBERANO

“Sou serva DO SENHOR”, essa foi a conclusão de Maria ao ouvir toda mensagem transmitida pelo anjo Gabriel (Lc 1:16 – 38).

Quando Gabriel se apresentou a Maria ele não perguntou o que ela achava da ideia que Deus havia tido: usar seu ventre para trazer o Messias ao mundo. Gabriel não foi consultar o planner de Maria para ver se esse projeto estaria de acordo com suas ambições de curto, médio e longo prazo. Gabriel não foi consultar se Maria tinha o sonho de ser mãe ou se um filho seria um empecilho às suas aspirações pessoais. Gabriel não foi perguntar se o plano de Deus não iria atrapalhar o tão esperado casamento de Maria com José. A missão de Gabriel também não era verificar se o nascimento de uma criança logo no início do casamento caberia no orçamento familiar. Gabriel não perguntou se Maria queria ser agraciada, ou se ela achava que ter um filho naquele momento era um ato da graça de Deus. Gabriel não foi consultar Maria, ele foi, simplesmente, anunciar um fato.

Não houve direito de escolha.

A vontade de Deus é soberana, Ele não age por meio de plebiscitos, eleições, ou qualquer outra manifestação democrática. A voz do povo não é a voz de Deus. Ele ordena e tudo acontece segundo o seu querer.  Ao ler isso, nossa mente contaminada pelo pecado logo se inquieta. Uma afirmação como esta fere o nosso “direito de escolha”; nos sentimos desvalorizados. A soberania de Deus é uma afronta à nossa autonomia. “Como ousa Deus agir em minha vida sem antes me consultar? E os meus sentimentos? E os meus planos?”

Não sei quais questionamentos passaram pela mente de Maria ao receber tal notícia, mas todos eles podem ser respondidos em uma única sentença: Deus é soberano.

TEOLOGIA FEMININA (?)

Há um perigo que ronda nosso meio cristão, o perigo de nos identificarmos muito mais com o fato sermos mulheres do que com o fato de sermos servas de Cristo. Tal ênfase faz com que condicionemos toda a nossa Teologia a materiais, estudos e cursos relacionados à feminilidade. Esse é um caminho perigoso. A Teologia Feminista norte americana começou sua jornada fazendo recortes da Bíblia[2], buscando e enfatizando narrativas bíblicas que contemplassem a mulher. Depois passou a dizer que nem todos os textos bíblicos podiam ser direcionados para a mulher, pois focalizavam os homens, tornando necessária uma narrativa para a mulher, algo que fizesse mais sentido para a sua existência. Por isso criou-se uma teologia própria, uma interpretação feminina das Escrituras, definida como Teologia Feminista.

Isso lhe soa familiar? A mim, sim.

Falarmos sobre feminilidade bíblica é necessário. Por outro lado, o perigo de enfatizarmos tanto narrativas bíblicas relacionadas a mulheres, ou sempre levarmos uma mensagem “específica” para mulheres é acabar reduzindo o poder do Evangelho a um gueto: uma teologia feminina, algo que a Bíblia nunca intentou criar. Não existe uma teologia para o homem e uma teologia para a mulher, o que existe é o evangelho todo para o homem todo. Nosso combate contra as ideologias feministas deve ocorrer em duas frentes de batalha:

  1. Não podemos negar nem menosprezar a nossa feminilidade, conforme concebida por Deus.

Por outro lado,

  1. Não podemos exaltar a feminilidade ao ponto de torna-la um bezerro de ouro.

Colossenses 3:11 diz que Cristo é tudo em TODOS. Isso significa que Cristo é suficiente. Não importa se você é homem, mulher, casado, solteiro, jovem, adolescente ou sênior, a Palavra de Deus é a mesma, Cristo é o mesmo para todos. O Evangelho que a mulher precisa ouvir diariamente é o mesmo que o homem precisa ouvir, a Bíblia não faz distinção.  A religiosidade do povo de Israel criou uma adoração à parte para as mulheres, elas não adoravam a Deus junto com os homens, mas, em um átrio separado só para elas. Porém, quando o poder do Espírito é derramado sobre a igreja em Atos, instituindo assim a comunidade cristã, uma das primeiras informações registradas é de que as mulheres estavam adorando a Deus junto com os homens (At 1:14). Isso é glorioso, pois, o Evangelho vem para romper os muros, removendo, inclusive, a separação de um ensino doutrinário distinto voltado para homens ou mulheres. Em Cristo todos se tornam participantes da mesma mesa.

Não se trata simplesmente do que Deus tem a dizer sobre a mulher, mas do que Deus tem a dizer para o seu povo; e eu e você, minha irmã, somos parte desse povo. 

SOMOS SERVAS DE DEUS

Retomando à narrativa de Lucas, Gabriel simplesmente comunicou a Maria o decreto de Deus, e não havia nada que ela pudesse fazer para mudar aquilo. Entre tantas mulheres, ela fora escolhida e agraciada.

O texto nos traz uma importante lição acerca de quem somos e de quem Deus é: nós somos servos e Ele é Senhor. Como servos estamos à disposição de Sua vontade. É certo que Maria tinha seus próprios planos, vontades e necessidades, mas tudo isso cai por terra no momento em que ela recebe ordens do seu superior. Mesmo não compreendendo, mesmo assustada e confusa – “como isso vai acontecer? Mas, eu sou virgem! Como será? É o meu noivado? O que vão pensar de mim? Eu sou nova demais!” – ela abandona tudo para se sujeitar à vontade de Deus: Eis aqui a serva do Senhor.

Vivemos em um mundo que deseja colocar outros senhores sobre nós. Precisamos nos lembrar, mais do que nunca, quem é o nosso Senhor, quem nos comprou. No Novo Testamento a Bíblia usa o termo grego doulos para se referir aos cristãos, esse termo é geralmente traduzido como servo, mas, o seu sentido original é escravo.  Para o pensamento politicamente correto de nossa geração isso é uma afronta, porém, é assim que a Bíblia descreve todo aquele que foi comprado por Jesus. Somos escravos, pois já não pertencemos a nós mesmos, Cristo nos comprou, Ele nos possui por inteiro. Nossas vontades e ações sujeitam-se a Ele. Não temos escolha.

UMA TEOLOGIA INVERTIDA

Sem nos darmos conta, nossa Teologia tem sido invertida pelo mundo. O mundo diz que tudo tem a ver com o eu.

É muito mais interessante buscar assuntos, temas e reflexões que estejam primeiramente relacionados às minhas necessidades e não à glória de Deus. É duro, mas é a realidade. É mais interessante ler sobre algo relacionado à nossa feminilidade do que relacionado ao ser de Deus, seus atributos, e o que Ele requer dos seus servos.

Estudar sobre as doutrinas parece algo tão fatídico, ao passo que falar sobre a feminilidade bíblica torna a conversa muito mais interessante. É triste constatar que essa tem sido a nossa realidade. Como alguém que escreve para mulheres, devo dizer que é nítido que assuntos voltados para a feminilidade são muito mais buscados e apreciados do que assuntos relacionados à doutrina bíblica. Não deveria ser assim, minhas irmãs. Não pode ser assim!

Essa realidade é resultado de uma teologia invertida, cuja ênfase repousa sobre o eu. Nossa sociedade exalta tanto o nosso ego que criamos formas de, indiretamente, falarmos sempre de nós mesmas, embora estejamos utilizando a Bíblia.

PROPÓSITO

Maria tinha consciência de sua identidade e propósito: servir. Além de escravo, a Bíblia usa outras figuras para se referir ao cristão, soldado é uma delas. Tal como soldados, devemos estar cientes de que Deus nos alistou para o seu serviço, seja qual for e onde for. Independentemente do que estivermos fazendo, se Deus ordenar, é nosso dever cumprir; seus planos são a prioridade de todo o universo é devem ser a nossa. Somos chamados para obedecer a Deus; render-se a Ele, ainda que isso implique em perdas e opróbrio.

Precisamos lembrar que fomos criadas e compradas para servir aos propósitos de Deus, não aos nossos. Deus interfere em nossos planos e projetos e nós precisamos nos sujeitar ao seu senhorio (Pv 16:1), pois a nossa existência, o ar que respiramos, o trabalho das nossas mãos, nada tem a ver conosco, mas com Ele.

 CONCLUSÃO

Ao falar sobre feminilidade bíblica e tentar definir seu significado me deparo com a narrativa de Lucas e aprendo que o que a Bíblia tem a me ensinar sobre a feminilidade não é diferente do que ela tem a ensinar sobre a vida cristã. O que o Senhor requer de mim enquanto mulher é que eu seja uma serva totalmente sujeita à Sua vontade, pois a minha identidade não começa no fato de ser mulher, mas no fato de pertencer a Cristo.

O fato de ser cristã me fará um tipo diferente de mulher, mas, o cerne não está em ser mulher, mas em ser cristã. Gálatas 3:28 nos mostra que a ênfase da vida cristã não repousa no fato de sermos homens, mulheres, judeus, gentios, escravos ou livres. Na eternidade isso simplesmente não fará diferença, mas fará diferença o fato de servirmos a Cristo ou não.

Ao servir a Deus nesse mundo homens e mulheres encontrarão desafios diferentes: a mulher certamente terá de resistir as ideologias que tentam comprar seu corpo e sua mente; os homens terão de resistir às ideologias que tentam enfraquecer e deturpar sua masculinidade. Mas, acima de tudo isso, deve prevalecer a nossa identidade em Cristo: somos servos do Altíssimo.

Viver uma masculinidade ou uma feminilidade bíblica é dizer todos os dias: eis aqui teu servo, Senhor, faça-se conforme a sua Palavra. Eu me sujeito a Deus, não ao mundo.

A feminilidade bíblica, tal como qualquer outro aspecto de nossa vida, se torna nociva a partir do momento em que Cristo deixa de ser o foco. Quando a ênfase deixa de ser o que Cristo fez e passa a ser o que nós precisamos fazer, a maneira como devemos nos portar e as obras que precisamos realizar; sem perceber criamos um ídolo e nos tornamos religiosas.

Se Cristo não está no centro e o gênero feminino se tornou o cerne de toda a nossa abordagem bíblica, o que nos difere do feminismo que tanto criticamos? No fim das contas, é tudo uma questão de gênero.

Falo, não como alguém que já tenha alcançado, pois essas palavras são, antes de tudo, para mim mesma. O Senhor está me ensinando por meio de cada uma delas.

Minha intenção não discriminar literaturas e publicações femininas, sou grandemente abençoada e tenho imenso prazer em ler e escrever para mulheres e sobre mulheres. Mas, reconheço que precisamos ter o cuidado de não fazermos dessas literaturas nosso manual de fé e prática. Precisamos ler mais a Bíblia e menos literaturas sobre feminilidade bíblica. É triste ver que muitas mulheres têm se tornado cada vez mais dependentes de conselhos, artigos e livros, e cada vez menos leitoras das Escrituras como sua fonte primária de conhecimento e orientação.

Irmãs, precisamos nos policiar. Precisamos rogar pela sabedoria do Alto, que é antes de tudo, pura, repleta de misericórdia e de bons frutos, imparcial e sem hipocrisia. (Tg 3:17) Que o nosso interesse por Cristo se torne cada vez maior que o nosso interesse por nós mesmas.  Que possamos depender cada vez menos de livros que nos digam O QUE fazer e COMO fazer e nos apeguemos firmemente à Escritura.

Tal como Maria, minha oração é que o Senhor me ensine a servi-Lo com um coração voltado para Ele e não para mim mesma. Essa tem sido a luta de todos os cristãos em todas as eras, e a mensagem continua a mesma: morra para si mesmo, tome a sua cruz, siga a Jesus e a nenhum outro.

Prossigamos rumo à cidade celestial.

Deus nos ajude.

No Amor de Cristo,

Prisca Lessa

 

[1] “O fato de ser mulher não me torna um tipo diferente de cristo. Mas, o fato de ser cristã, me faz um tipo diferente de mulher”.

[2] TEOLOGIA FEMINISTA, caso tenham interesse posso escrever um artigo falando mais sobre essa vertente.

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