Se há um só corpo, por que existem várias denominações?

Antes de nos aprofundarmos na resposta desta pergunta vamos apresentar os significados de alguns termos que serão mencionados ao longo do texto, para que sua compreensão seja a melhor possível.

Em primeiro lugar, vamos nos recordar de um dos textos neotestamentários em que o apóstolo Paulo nos ensina sobre Cristo e a Igreja, que está na carta aos Colossenses 1:18:

“Ele é a cabeça do corpo, da igreja. Ele é o princípio, o primogênito de entre os mortos, para em todas as coisas ter a primazia.”

Neste texto, é evidente que existe apenas UM corpo de Cristo, a Igreja, do qual Ele é o cabeça e Senhor. Sendo assim, quando citarmos a “Igreja” neste texto, estaremos falando a partir deste ensino de Paulo.

Em segundo lugar, não devemos cometer um erro muito comum: o de confundirmos “denominações” com “Igreja”. Podemos dizer que as denominações são a forma como as instituições se organizam em grupos com características distintas, mas juntas compõem a única Igreja de Cristo. Claro, estamos falando daqueles que, de fato, seguem os princípios bíblicos que formam o núcleo da fé cristã. Logo, ainda que as denominações sejam muitas, a Igreja é uma só.

Explicados estes significados, ao estudarmos o Novo Testamento, notaremos que desde os primórdios do cristianismo primitivo nunca houve uma Igreja uniforme em sua vida e prática. O que sempre notamos desde o livro de Atos dos Apóstolos até Apocalipse é o ensino que deve existir um só Senhor, uma só fé e um só batismo. No entanto, em nenhum momento isso impede que a Igreja seja multiforme localmente, ou seja, que funcione sob denominações distintas, tal como vemos em nossos dias.

Em Atos, no capítulo 15, lemos sobre um concílio realizado para dirimir a questão da circuncisão, se ela deveria ou não ser praticada pelos gentios que estavam se convertendo à fé cristã. A igreja em Jerusalém sofria influência do judaísmo, enquanto as demais, fundadas em cidades gentias, não. Podemos perceber que já havia, nas primeiras igrejas, diversidade na interpretação da mensagem do Evangelho e na vida prática.

Chegando em Apocalipse, podemos observar sete cartas enviadas às igrejas de Cristo mais antigas, cada uma em uma localidade, com virtudes enaltecidas e pecados confrontados, mas todas consideradas como Igreja de Cristo, única e verdadeira!

Avançando no tempo, em uma leitura honesta da História da Igreja, perceberemos que sempre houve movimentos cristãos divergentes entre si, como o Cisma da Igreja Oriental e Ocidental, culminando na Reforma Protestante, de proporções bem maiores. A partir daí, vemos o surgimento de grupos que se tornaram muito conhecidos, como: luteranos, reformados, anglicanos, huguenotes, anabatistas, puritanos e, posteriormente, os presbiterianos, batistas, moravianos, wesleyanos, entre outros. Destes grupos oriundos da Reforma, vemos surgir as denominações que conhecemos hoje em dia. Logo, sempre houve muitas razões que contribuíram para a existência de tantas denominações, cuja variedade é tão complexa que não é possível explicarmos agora.

Então, tentando responder à pergunta proposta neste post: “Se há um só corpo, por que existem várias denominações?”, precisamos partir da premissa de que o que as une, Jesus Cristo, é bem maior do que o que as separa doutrinariamente. Jesus Cristo com a mensagem da cruz é o maior ponto de contato.

Devemos compreender que pode até existir variedade em questões secundárias, mas todos devemos nos unir sob os princípios fundamentais da fé encontrados nas Escrituras e resumidos, por exemplo, no Credo dos Apóstolos.

“Creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra.

Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor; que foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da virgem Maria; padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu ao Hades; ressuscitou no terceiro dia; subiu ao céu e está sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso; de onde virá para julgar os vivos e os mortos.

Creio no Espírito Santo; na santa igreja universal, na comunhão dos santos; na remissão dos pecados; na ressurreição do corpo e na vida eterna.

Amém.”

Há um núcleo de fé, bíblico e ortodoxo, que não são dispensáveis. O teólogo e professor Kevin J. Vanhoozer, no livro “Autoridade bíblica pós-Reforma”, propõe usarmos os cinco solas da Reforma Protestante — Sola Scriptura, Sola Fide, Sola Gratia, Solus Christus e Soli Deo Gloria — para validar uma denominação. Mesmo não existindo uma “igreja” perfeita, pode haver várias “igrejas” que seguem os princípios fundamentais da Bíblia.

É vital que lembremos do desejo que Jesus declarou em Sua oração, registrada em João 17:22,23, de que Seu povo vivesse em união:

“Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um, como nós o somos; eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim.”

Temos o exemplo recente de uma ação que converge para unidade entre variadas denominações. Em 2017, na comemoração dos 500 anos da Reforma Protestante, diversos líderes, pastores, teólogos, professores, autores e membros de diversas denominações cristãs evangélicas, subscreveram “A confissão de fé dos evangélicos católicos”, onde católico significa universal. Nele, pontos doutrinários como a Trindade, as Escrituras, a condição caída, Jesus Cristo e Sua obra expiatória, a pessoa do Espírito Santo, a Igreja, o Batismo, a Ceia, dentre outros, foram considerados comuns a todos os signatários. Este documento possui mais de 1.500 assinaturas de irmãos reformados, carismáticos, tradicionais, pentecostais ao redor do mundo e está disponível para leitura e assinaturas no site: https://reformingcatholicconfession.com/portuguese/.

Por fim, entendemos que o nosso Deus, que é o Deus de toda língua, povo, raça, tribo e nação (Ap 5:9), permite que Sua igreja expresse Seu plano de redenção através de suas características culturais e sociais, visando alcançar o maior número possível de pessoas. Também podemos glorificar ao Senhor por permitir que Sua Igreja proclame de maneira multiforme a Sua graça através de denominações cristãs, mas ressaltamos que nem todo grupo religioso pode ser considerado parte do corpo de Cristo. Uma denominação, para fazer parte da Igreja, deve reunir pessoas que creem e confessam a Jesus como único Senhor e Salvador, que a salvação só é possível pela graça e por meio da fé, que Bíblia é a Palavra de Deus e que só a Ele pertence a glória.

Por: Cláudia Martin