Por que precisamos de salvação?

Sempre que o assunto é salvação, me lembro de Eustáquio, um personagem bem conhecido de C.S. Lewis, em seu livro “A viagem do Peregrino da Alvorada” – As Crônicas de Nárnia.

Eustáquio é um rapaz difícil. Ele odeia todo mundo e todos também o odeiam. Ele é maldoso, egoísta, e não se dá bem com ninguém. Ele apresenta as obras da carne de Gálatas 5, como: ciúmes, ira, discórdia, dissensão, inveja.

Eustáquio é um exemplo daquele que é amigo do mundo e, portanto, inimigo de Deus. O apóstolo Paulo diz que os crentes também já foram assim, inimigos de Deus (Rm 5.10).

Nascemos inimigas daquele que nos criou à sua imagem e semelhança. Nascemos corrompidas em nossa natureza, distorcidas pelo que a Bíblia chama de pecado.

Pecar é errar o alvo, no grego é a palavra חטא chata’, que significa falhar, perder o rumo, errar, incorrer em culpa, perder o direito, errar o alvo ou o caminho do correto e do dever.

Quando Deus criou o homem e a mulher, os encarregou de governar sobre a criação como seus representantes sobre a Terra. Deus requereu deles a obediência. Mas o homem desobedeceu. O homem pecou, errou o alvo, falhou nessa comissão.

E, tendo pecado contra Deus pela desobediência, aquele casal sofreu as consequências. O seu estado original de bendita comunhão com Deus, passou a ser um estado de inimizade com o criador.

Como um dos resultados, todos os descendentes de Adão – isto é, toda a humanidade – herdou essa mesma condição. Nascemos alienadas de Deus, tanto no âmbito relacional, quanto da nossa responsabilidade diante dele.
Nosso relacionamento com Deus deveria ser de adoração, devoção e comunhão perfeitas. Mas, na condição de culpadas, pecadoras, daquelas que herdaram a natureza corrompida de Adão, não somos capazes de nos relacionarmos com ele de forma bendita. Na verdade, ao invés de comunhão, o pecador só vive oposição. Deus quer se relacionar, nós queremos nos esconder (Gn 3.8). Deus quer nos abençoar, nós queremos culpá-lo (Gn 3.12). Deus quer ser justo, nós queremos a nossa justiça própria (Gn 3.7).

Eustáquio, assim como nós, era um pecador inimigo de Deus. Ainda que a glória de Deus fosse anunciada por todos os cantos, ele tinha os olhos vendados para ele. Se tornou nulo em seu próprio raciocínio, e o seu coração insensato se obscureceu. Eustáquio era tolo em sua sabedoria e acabava por adorar a criatura ao invés do criador. Por isso era tão soberbo, arrogante e orgulhoso.

Em uma de suas aventuras, ele e seus companheiros navegavam à bordo do navio Peregrino da Alvorada e pararam em uma ilha. Muito curioso e inquieto, Eustáquio saiu de perto do grupo e desceu em um vale onde se deparou com um dragão. Ao tentar se esconder, entrou em uma caverna escura e, à medida em que entrava na caverna, percebia que ela estava repleta de tesouros. Ele logo faz planos para aquela riqueza!

Depois do susto de se deparar com o dragão, Eustáquio acaba adormecendo sobre a pilha de tesouros. Quando acorda, percebe que havia se tornado um dos dragões. Aquele tesouro continha uma maldição e Eustáquio não conseguia se livrar daquela carcaça gigante de réptil. Ele era um rapaz em um corpo que não era dele. Por mais que ele tentasse, ele não conseguia voltar a ser quem ele era.

Da mesma forma, nós pecadoras não conseguimos voltar a ser quem realmente fomos criadas para ser. Não conseguimos restaurar a nossa natureza original por nós mesmas, não conseguimos restabelecer a nossa comunhão com Deus por vontade própria. Não conseguimos remover a carcaça do pecado de nós.

Eustáquio, em meio ao seu sofrimento, teve um encontro que mudou a sua vida. Ele se encontra com Aslam, o leão. E assim foi o encontro:

o leão me disse para tirar a roupa primeiro. Para dizer a verdade, não sei se
falou em voz alta ou não. Ia responder que não tinha roupa, quando me lembrei que os dragões são, de certo modo, parecidos com as serpentes e estas largam a pele.
“Sem dúvida alguma é o que ele quer”, pensei. Assim, comecei a esfregar-me e as escamas começaram a cair de todos os lados. Raspei ainda mais fundo e, em vez de caírem as escamas, começou a cair a pele toda, inteirinha, como depois de uma doença ou como a casca de uma banana. Num minuto, ou dois, fiquei sem pele. Estava lá no chão, meio repugnante. Era uma sensação maravilhosa. Comecei a descer à fonte para o banho. Quando ia enfiando os pés na água, vi que estavam rugosos e cheios de escamas como antes.
“Está bem, pensei”, estou vendo que tenho outra camada debaixo da primeira e também tenho de tirá-la”. Esfreguei-me de novo no chão e mais uma vez a pele se descolou e saiu; deixei-a então ao lado da outra e desci de novo para o banho, e aí aconteceu exatamente a mesma coisa. Pensava:
“Deus do céu! Quantas peles terei de despir?” Como estava louco para molhar a pata, esfreguei-me pela terceira vez e tirei uma terceira pele.
Mas ao olhar-me na água vi que estava na mesma.
Então o leão disse (mas não sei se falou): “Eu tiro a sua pele”. Tinha muito
medo daquelas garras, mas, ao mesmo tempo, estava louco para ver-me livre daquilo. Por isso me deitei de costas e deixei que ele tirasse a minha pele. A primeira unhada que me deu foi tão funda que julguei ter me atingido o coração. E quando começou a tirar-me a pele, senti a pior dor da minha vida. A única coisa que me fazia aguentar era o prazer de sentir que me tirava a pele. É como quem tira um espinho de um lugar dolorido. Dói pra valer, mas é bom ver o espinho sair.
(…) Tirou-me aquela coisa horrível, como eu achava que tinha feito das outras vezes, e lá estava ela sobre a relva, muito mais dura e escura do que as outras. E ali estava eu também, macio e delicado como um frango depenado e muito menor do que antes. Nessa altura agarrou-me – não gostei muito, pois estava todo sensível sem a pele – e atirou-me dentro da água. A princípio ardeu muito, mas em seguida foi uma delícia. Quando comecei a nadar, reparei que a dor do braço havia desaparecido completamente. Compreendi a razão. Tinha voltado a ser gente.” (A viagem do Peregrino da Alvorada, págs. 112-113, C.S. Lewis)

Salvação, minha querida irmã, é graça de Deus. E a graça de Deus não é um instrumento nosso, em que decidimos e escolhemos como seremos salvas. Não podemos tirar a carcaça do pecado por nosso próprio esforço. Não somos capazes de remover a natureza pecaminosa por meio de boas obras, nem por atos de justiça própria. Todas as vezes que tentarmos por nós mesmas, fracassaremos.

Salvação só é possível por meio de Cristo Jesus, o Leão de Judá. Aquele que vai ao nosso encontro, aquele que traz luz à escuridão em que nos encontrávamos, que remove a podridão de nossas almas e nos deixa com a pele sensível e dolorida, para então, e somente então, sermos lavadas em águas cristalinas e voltarmos a ser “gente”, como Eustáquio.

Na salvação, somos salvas de nós mesmas, somos restauradas para sermos santas e incorruptíveis diante de Deus, para a glória de Deus e por meio de Deus.

Experimente conhecer Jesus. Experimente as garras do Leão de Judá. Suas garras são boas como veludo macio, mas firmes como uma faca de dois gumes que penetra dividindo alma e espírito, juntas e medulas e que é capaz de revelar os segredos de nossos corações. Confie.

“O meu pecado, a minha transgressão
que desde o ventre herdei do pai Adão,
Jesus pagou, fez expiação;
e livre estou da escravidão.
A luz da vida rompeu a escuridão:
Jesus, o Filho, me salvou e filho me tornou!
Culpa não há, nem há condenação!
O sangue de Jesus já me resgatou.
Vivo por Cristo, o meu Senhor!
Em Sua justiça, perfeito sou!
Com ousadia, ao trono vou
E ali misericórdia e graça encontro, e proteção.”
Charles Wesley (1707-1788)

Por Fabiana Linhares