Por que Jesus tem duas naturezas? Quais os significados delas? 

“Pois há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens: o homem Cristo Jesus, o qual se entregou a si mesmo como resgate por todos.” 1Tm 2.5-6a

Gostaria de iniciar essa conversa demonstrando a relevância de entendermos as duas naturezas de Cristo, tendo em vista que costumamos passar correndo por alguns temas que acreditamos ser teológicos demais para nosso dia-a-dia, ou não ter muito para contribuir com a nossa espiritualidade. 

Só um tipo de pessoa poderia cumprir as profecias do Antigo Testamento e ser o verdadeiro Salvador da humanidade, Mediador entre Deus-Pai e homem. Não é possível ignorar essa doutrina, ou, como antigas heresias, acreditar que a humanidade de Jesus é deificada, ou que Sua divindade é humanizada. É imprescindível que nossa compreensão da plenitude de ambas as naturezas em Jesus seja correta, pois se negligenciada essa doutrina, uma diversidade de outras doutrinas ruirão, inclusive acerca da nossa salvação.

Há, portanto, unanimidade na fé cristã ortodoxa quanto à dupla natureza de Cristo. Conforme a Definição de Calcedônia:

“Confessamos unânimes que um só e mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito quanto à divindade e perfeito quanto à humanidade, verdadeiramente humano… consubstancial ao Pai, também consubstancial a nós como homem… Ele foi gerado pelo Pai antes dos séculos, mas por nós e para nossa salvação, nestes últimos dias, nasceu da Virgem Maria… Esse único e mesmo Cristo… se faz conhecido em duas naturezas, sem mudança, sem divisão, sem separação.”

Tendo dito isso, vejamos, então, quais as distinções dessas naturezas, a imprescindibilidade da união das duas naturezas em Jesus e quais implicações isso tem em nossas vidas como crentes nele.

Franklin Ferreiras em sua sistemática afirma que “a validade e aplicação da obra realizada na cruz dependem da realidade de sua humanidade, assim como a sua eficácia depende da genuinidade da sua divindade.” Franklin, p.512

A primeira evidência que vemos nos relatos bíblicos de que Jesus é de fato Deus é o fato de Ele ter sido concebido de forma sobrenatural (Mt 1.18,20), de uma forma que nenhum outro ser humano nunca nasceu. Desse modo, Ele não herdou o pecado natural que sobrevém sobre o ser humano gerado de forma natural. O relato no evangelho de João também é claro e insistente quanto à natureza divina – a Palavra que estava com Deus no início por meio da qual Deus criou todas as coisas era o próprio Deus, e naquele momento estava se manifestando ao mundo. Por isso, Jesus é o Mediador perfeito para se colocar entre Deus e a humanidade e exercer o ministério da reconciliação. Porque Ele é Deus e é homem.

Isso nos leva ao ponto de que Ele é da mesma natureza do Pai. Isaías 9.6 nomeia o menino que nasceria com todos os atributos que o próprio Deus tem – “Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso, Pai Eterno, Príncipe da Paz” (Is 9.6). Como Deus permitiria que outro além Dele mesmo fosse chamado dessa forma a menos que isso fosse verdade? Jesus, também, é o cumprimento de promessas feitas por Deus a Seu povo Israel, de um Rei messiânico que se assentaria no trono de Davi e que estabeleceria Seu reino para sempre (2Sm 7.16; Dn 7.14; Lc 1.32,33).

Jesus também cumpriu a exigência de santidade e perfeição do sacrifício que teria efeitos definitivos e suficientes para nos salvar de nossa condenação. Os sacrifícios de animais não podiam realmente ser expiação pelos nossos pecados, mas apontavam para o Cordeiro perfeito, de sangue puro e livre de pecados que se entregaria como libação pelos pecados da humanidade. É porque Jesus é Deus que a justificação e expiação são eficazes.

Somente Deus pode vencer o poder do pecado e trazer os pecadores à vida eterna. […] os seres humanos são pecadores e necessitam de redenção. Só que, por todos estarem debaixo do pecado, nenhum ser humano pode salvar outro ser humano. Apenas o Criador pode redimir seres humanos.” Franklin, p.511.

Porque Jesus é Deus, podemos ter um conhecimento real de quem Deus é. As Escrituras afirmam que quem conhece ao Pai é apenas o Filho e aqueles a quem o Filho apresentar o Pai (Mt 11.27). Portanto, Jesus, que é a expressão física do Pai, é quem nos apresenta a Ele. Somos reconciliados com o Pai por meio do Filho; o Pai é apresentado a nós por meio do Filho, e nós somos apresentados ao Pai por meio do Filho. Que grandiosa graça é ter um Mediador amoroso e perfeito que nos leva de volta ao nosso Criador. 

Não só a divindade de Jesus deve ser compreendida e defendida, mas também Sua humanidade, com a mesma importância.

Assim como o nascimento de Jesus é um fator importante para demonstrar sua divindade, pois foi concebido pelo Espírito Santo, também é importante para demonstrar sua humanidade, pois foi gerado em uma mulher (Mt 1.18,20). A Bíblia nos garante que Jesus foi plenamente homem ao colocá-lo em paralelo com Adão em Rm 5.19 – por meio de um homem (Adão) o pecado entrou no mundo, e por meio de um homem (Jesus), a justificação se tornou possível. 

Adão é o representante federal da humanidade no Éden, por isso, quando ele peca, a mácula do pecado alcança toda raça humana. Mas Paulo, em Romanos, apresenta Jesus como o segundo Adão, pois Ele se faz representante dos seres humanos também, então, Seu ato de justiça também alcança os homens que passam a crer no Seu sacrifício. Mas Ele só pode ser nosso representante federal porque Ele é homem como nós.

Os relatos bíblicos também demonstram Jesus sendo submetido a sensações, tentações e necessidades inerentes da natureza humana. Jesus teve fome, sono, sede, foi tentado pelo diabo – mesmo não pecando, Ele foi tentado -, sentiu tristeza, angústia. Todos são sentimentos que alcançam o homem por causa de suas limitações e fraquezas, e de alguma forma, Jesus os experimentou.

Porque Jesus é homem, a real salvação foi possível para a humanidade. “A validade e aplicação da obra realizada na cruz dependem da realidade de sua humanidade, assim como sua eficácia depende da genuinidade da sua divindade” (Franklin, 512). Por que Jesus é homem, Ele nos representa legitimamente como um sacerdote, e intercede por nós diante de Deus (Hb 2.17). Porque Ele é homem, pode compreender e ajudar nos ajudar a resistir às tentações e enfrentar os sofrimentos, uma vez que enfrentou todas elas e as venceu (Hb 2.18; 4.15-16), e sofreu até o fim, já que não cedeu a nenhuma tentação.

A dupla natureza de Jesus é imprescindível para a fé cristã, bem como sua plena ressurreição. Jesus só pôde vencer a morte e ressuscitar porque é plenamente Deus, logo, santo e sem culpa; e porque Ele é plenamente homem, somos revestidos dessa santidade de Jesus e temos segurança de que a morte também não será nosso fim.

O Deus-homem, Jesus Cristo, é nosso Mediador diante de Deus Pai, o agente da nossa redenção, e quem nos garante a certeza de que venceremos a morte e alcançaremos a vida eterna.

É grande relevância dessa doutrina em nossa vida diária, por isso ela deve ser bem compreendida e valorizada. O autor de Hebreus, ao falar de Jesus como o grande sumo sacerdote que se compadece de nossas fraquezas, diz que, por causa disso “aproximemo-nos do trono da graça com toda a confiança, a fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da necessidade” (Hb 4.15-16).

Podemos encontrar graça e misericórdia diante do trono de Deus, porque Jesus é o Deus-homem que viveu a vida que não conseguimos viver, para nos dar a vida que desejamos, mas que sem Ele seria impossível alcançarmos.

Por Melina Marinho

Referencia

FERREIRA, Franklin. Teologia Sistemática.