O fim da Teologia não é acumular conhecimento

“meus filhos, por quem, de novo, sofro as dores de parto, até ser Cristo formado em vós;”
(Gálatas 4.19)

O estudo da Teologia é para todos

Sempre que comento com alguém sobre meu interesse em estudar Teologia, meu comentário costuma ser seguido da seguinte pergunta: “Mas você quer ser pastora?”.

Eu sempre congelei ao ouvir essas perguntas, porque ser pastora está tão distante da origem do meu interesse pela Teologia que, para mim, é um choque esse tipo de relação. Mas, passado o primeiro impacto, geralmente me defronto com o segundo, que é: “Nossa, você deve ser bem inteligente para gostar de estudar Teologia”.

A verdade é que, todas as vezes em que tirei uma nota dez na escola, considero que foi por pura sorte, então, o incentivo de alguma aptidão intelectual não é o caso para mim.

Essas questões me levam a entender que, geralmente, as pessoas entendem a Teologia a partir de dois princípios (pelo menos, aqui no Brasil):

  1. Somente estuda Teologia quem almeja o pastorado. É uma concepção limitante, mas não errada em si;
  2. Somente estuda Teologia quem gosta muito de estudar e não está satisfeito com o conteúdo oferecido em estudos dominicais. De novo, uma ideia limitante, mas não totalmente errada.

Devo confessar que minha maior frustração não é confrontar ideias limitantes como o almejo pelo pastorado ou o desejo de ser mestre em Teologia, minha frustração e a razão do meu empenho é combater a ideia de que o estudo sistemático da Teologia só deve ser procurado por um grupo específico de pessoas, e não pela comunidade cristã como um todo.

O apelo feito por Deus e instituído no Antigo Testamento, em Deuteronômio 6, era uma aliança não com uma geração, mas uma distinção identitária do povo de Israel diante de todos os demais povos. Ou seja, os primeiros versículos de Deuteronômio 6 esclarecem o objetivo da aliança:

“Estes, pois, são os mandamentos, os estatutos e os juízos que mandou o Senhor, teu Deus, se te ensinassem, para que os cumprisses na terra a que passas para a possuir; para que temas ao Senhor, teu Deus, e guardes todos os seus estatutos e mandamentos que eu te ordeno, tu, e teu filho, e o filho de teu filho, todos os dias da tua vida; e que teus dias sejam prolongados.” (Deuteronômio 6.1-2)

Ou seja, o ensino deve ser de pai para filho, de geração em geração, perpetuamente, para que temamos a Deus e que, ao temermos a Deus, nós sejamos capazes de guardar seus estatutos e mandamentos. Mas o quê exatamente deveria ser ensinado? Os versículos seguintes nos apontam:

“Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força.” (Deuteronômio 6.4-5)

Cara leitora, o produto da boa teologia não é mera teologia, exclusivamente. Bons teólogos não são os que inundam as redes sociais com diversos textos, trazendo reflexões até mesmo sobre xícaras de café. Precisamos elevar nosso padrão para que sejamos capazes de reconhecer, com maior precisão, aqueles que absorvem e reproduzem uma boa teologia. E nós só poderemos ser capazes disso, se utilizarmos os padrões estabelecidos pela Fonte de toda Teologia. A Palavra, queridas irmãs, nos instrui a reconhecermos bons teólogos a partir do amor demonstrado e vivido, fielmente, por filhos obedientes. Não apenas em suas condutas, mas, principalmente, em seus corações.

Como produzimos bons teólogos?

“ Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te. Também as atarás como sinal na tua mão, e te serão por frontal entre os olhos. E as escreverás nos umbrais de tua casa e nas tuas portas.” (Deuteronômio 6.6-9)

Quando a boa teologia toma conta dos nossos corações, o que ela produz é discipulado. Preste atenção! Boa teologia não gera ‘’cabeções’’ teológicos que se acham melhores que seus irmãos por saberem articular conceitos difíceis e colocar tudo isso em palavras que ninguém entende o significado. Esse, definitivamente, não é o padrão bíblico. Um coração inundado pelo Ser de Deus é um coração de boca aberta e espírito incontido, que é incapaz de viver sem Cristo e sem anunciar o Evangelho. É claro que estes cristãos pecarão, mas são cristãos de corações quebrantados e sensíveis às repreensões.

O discipulado é custoso e árduo, porém ele é o meio instituído por Deus em Sua palavra para Se comunicar aos corações dispersos. E não seria também função do discipulado moldar mentes? Mentes que pensam para a glória de Deus, até porque o mesmo versículo que nos exorta a amar a Deus de todo coração, também nos exorta a amá-Lo com toda a nossa mente.

Como é possível amar a Deus com todo o seu intelecto? Ora, usando-o para que seu gozo no Senhor aumente à medida que você medita, de dia e de noite, em Sua lei, como diz o salmista (Sl 1.2). Da mesma forma, apóstolo Paulo aconselha seu filho na fé a ponderar nas coisas que ele dizia, pois o Senhor daria compreensão de todas as coisas (2 Tm 2.7).

É comum que pessoas associem pessoas intelectuais a pessoas orgulhosas, e essa não é uma relação que surgiu em nossos dias. Já era necessário que Paulo exortasse crentes presunçosos em seus dias.  Em 1 Coríntios 8.1-3, quanto ao tema de comidas oferecidas a deuses, Paulo chama a atenção daqueles que, por saberem que poderiam comer das comidas sacrificadas, escandalizavam seus irmãos mais fracos. Para exortá-los, Paulo chega a afirmar que “O saber ensoberbece, mas o amor edifica. Se alguém julga saber alguma coisa, com efeito, não aprendeu ainda como convém saber.” (1 Co 8.2).

John Piper coloca isso muito bem, em sua obra “Pense: A vida da mente e do amor de Deus”:

 “a questão na igreja de Corinto era que o conhecimento estava produzindo orgulho, que, por sua vez, estava destruindo o amor […]. O conhecimento é suscetível ao orgulho porque é o resultado de obter e não de dar. O conhecimento é uma possessão. É algo que conquistamos. Por isso nos inclinamos a orgulhar-nos do conhecimento. Por outro lado, o amor é o ato de dar e não de obter. O amor não é uma aquisição. Ele nos move para fora. Ele compartilha. Ele pensa visando aos interesses dos outros. Edifica a fé de outros, e não o ego daquele que ama.”

Repito: O discipulado é custoso e árduo. Mas ele é o meio instituído por Deus em Sua palavra para comunicar aos corações dispersos que nosso alvo é Cristo. Talvez, sob essa perspectiva, fique mais claro para nós o que Paulo quis dizer quando afirmou que há dor no discipulado. Dor como a de um parto. Pois deve-se discipular pessoas para que se atentem ao antigo chamado de engajar esforços na mente e também no coração, a fim de amar a Deus com todas as suas forças, com todo seu ser, e não apenas em partes, mas com absolutamente tudo.

O resultado de teólogos que entendem que devem produzir apenas livros, materiais na internet e pregações, é a sua arrogância e frieza perante a fraqueza do outro. É um acúmulo de vento, onde deveria palpitar corações que transbordassem amor: amor a Deus e amor ao próximo.

Conclusão

Todos os crentes em Jesus Cristo são chamados ao estudo da Teologia. Conhecer a Deus através das Escrituras não é um dever apenas daqueles que são chamados ao ministério pastoral, mas sim de todo cristão.

No entanto, o conhecimento teológico vazio não possui valor algum. A busca pelo conhecimento meramente acadêmico, que dá lugar ao orgulho, é essencialmente pecaminosa. O conhecimento que glorifica a Deus é aquele que humilha nosso ego e resulta em uma vida frutífera e piedosa. É aquele que molda as mentes e os corações para amarem a Deus e ao próximo, manifestando esse amor através do discipulado.

Oração

Pai de toda sabedoria, ensina-nos o caminho no qual devemos andar. Faz-nos humildes e capazes de enxergar nossa real condição perante o Senhor. Eis nossas mentes, ó Pai, carecemos de ser iluminados pelo Teu Santo Espírito. Amém.

Por Amanda Ribeiro.

Sugestões de leitura sobre o tema:

Pequeno livro para novos teólogos (Kelly Kapic)