Não consigo ver Deus como Pai!

É comum ouvir de pessoas que cresceram em lares cristãos como seus pais foram boas referências de paternidade. Por esse exemplo, essas pessoas entenderam o amor de Deus. Mas, infelizmente, é igualmente comum ouvir relatos de pessoas que por muito tempo resistiram ao Senhor e à fé justamente pelo mau testemunho de seus pais terrenos.

Não raro, vemos o uso de exemplos terrenos para demonstrar como o caráter de Deus se revela, e sempre que o fazemos, presumimos que o Senhor manifesta determinada característica de forma perfeita, diferentemente dos nossos exemplos. Mas, por vezes, o nosso ponto de partida humano é completamente oposto ao que Deus é. Então, como podemos ter uma visão mais clara de Deus dessa forma? Isso poderia afetar de forma drástica nossa concepção da pessoa do Criador. Mesmo que o reflexo terreno seja o melhor que poderia ser, ele vai falhar em refletir o caráter de Deus. Por isso, a melhor forma de lidar com comparações como essa é partir de Deus e seu caráter, e aí sim criar um padrão, ajustando, dessa forma, nosso paradigma de paternidade.

Jonathan Edwards, ao falar sobre sua dificuldade de ver Deus como pai porque teve uma experiência ruim com seu pai terreno, afirma que para confiar em Deus e conseguir olhá-lo como Pai, precisou olhar para o Pai Celeste antes de olhar para seu pai terreno. Foi dessa forma que ele percebeu que se não olhasse para Deus primeiro, o Senhor “seria sempre a réplica em vez de o original”[1].

            Gosto de pensar em Deus como Pai a partir da oração de Jesus em João 17. Sei que esse não é um texto convencional sobre a paternidade de Deus, mas nele vemos demonstrada a confiança que o Filho tem no Pai por meio dos pedidos e afirmações dele, e a certeza de que esse Pai está atento às suas petições.

            No primeiro trecho do capítulo, Jesus ora por si e pede que o Pai Celeste agora o glorifique, porque esse Filho fora entregue por causa do grande amor do Pai. Pode parecer contraditório, mas estamos certas de que Deus foi motivado por seu grande amor a entregar seu Primogênito Amado por nós. Esse Pai Celeste não retém o que é seu, mas entrega sacrificial e graciosamente seu Filho, por amor, para nos dar vida eterna.

Dos versos 6 a 19, Jesus ora por seus discípulos, aqueles que caminharam ao seu lado durante seu ministério público. Jesus esclarece que tudo o que ele entregou aos discípulos – por meio de curas, milagres e até ensinos –, veio do Pai Celeste, e Ele é um meio de relacionamento de Deus com seus companheiros de caminhada.

Jesus pede repetidas vezes que Deus os proteja, pois eles aceitaram ser açoitados, perseguidos e até mortos por amor a Cristo. O Filho pede que o Pai Celeste os mantenha protegidos. Se Deus amou esses discípulos a ponto de sacrificar seu Filho, Ele não os protegeria do homem mau? Claro que sim!

O Filho, no entanto, não apenas pede por proteção, mas também para que o Pai Celeste santifique seus discípulos por meio da Palavra da Verdade, porque muito mais que a segurança de seus corpos físicos, Jesus anseia por ver aqueles a quem o Pai lhe entregou vivendo em santidade sob a perspectiva da eternidade.

Jesus passa então a orar por todos os que viriam a crer nele. Sim, Jesus orou por nós: por nossa unidade e para que pertençamos a Ele como Ele pertence ao Pai, para que o mundo perceba que fomos amados por Deus Pai, nosso Pai Celeste, da mesma forma que Ele amou o Filho.

O amor do Pai Celeste por nós está explícito nessa linda e profunda oração de Jesus, e a paternidade ganha seus moldes aqui, no testemunho de um Pai que ouve os pedidos de seu Filho Amado para cuidar, proteger, santificar, tornar um os filhos no corpo e fazer com que saibam que são amados com o mesmo amor que o Filho Primogênito Jesus foi amado.

Nessa oração fica claro que a paternidade de Deus é de um amor constante, sacrificial, que santifica e une, que aproxima e salva.

Ao ler e reler esse texto, criamos em nossa mente a certeza, a segurança de um amor que não está em risco a depender de nosso comportamento, que não apresenta risco de abuso e violência, que não é passível de perda ou violação iminente. Essa apresentação que Jesus faz do Pai Celeste por meio de seus pedidos e afirmações testifica a declaração de Romanos 8:38,39: “pois estou convencido de que nem morte nem vida, nem anjos nem demônios, nem o presente nem o futuro, nem quaisquer poderes, nem altura nem profundidade, nem qualquer outra coisa na criação será capaz de nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.”

            O Pai Celeste é o único Pai perfeito e o único que pode atender a esse paradigma. Injusto seria submetermos nossos pais terrenos a esse crivo. Mas o que quero demonstrar aqui é que o caráter de Deus Pai, Seu eterno amor e poder jamais serão submetidos a um padrão humano. E mais: apesar de muitas mulheres terem sofrido ou ainda sofrerem com pais omissos, violentos ou abusadores, ou mesmoque não tenham convivido com uma figura paterna, elas não precisam se sentir desamparadas, porque o Pai Celeste está presente agindo e graciosamente estendendo a cada uma dessas irmãs o amor e a proteção de pai de que elas precisam.

            Porque Deus é esse Pai perfeito, Ele nos alcança com seu amor e nos salva por meio de Cristo, adotando-nos em sua família, fazendo-nos suas filhas. Nenhuma de nós está órfã, mas pode encontrar nos braços do Pai Celeste a plenitude daquilo que nosso coração foi criado para desejar.

Melina Marinho


[1] https://www.thegospelcoalition.org/article/is-god-the-father-like-my-father/