Leio a Bíblia, mas não sinto Deus falando comigo

No primeiro capítulo do clássico livro cristão “O peregrino”, de John Bunyan, Evangelista orienta Cristão: “Então, não perde de vista essa luz e segue diretamente em sua direção até ver a porta estreita. Bate, e te será dito o que fazer.” Pois bem, esse trecho diz muito sobre a nossa peregrinação: o Senhor envia evangelistas, que nos ajudam no meio daquilo que nos possa parecer escuridão. Assim, querida irmã, é muito provável que você já tenha lido a Bíblia e sentido que Deus estava distante, e a leitura parecia não saltar aos olhos, que dirá aquecer seu coração. Eu também já tive momentos assim.

Seria muito bom, a curto prazo, simplesmente apresentar passos práticos para que esse “problema” sumisse. Na realidade cristã, porém, não podemos e não conseguimos viver sem raízes profundas no entendimento correto e mais profundo de nosso Senhor Deus. Assim, para falarmos da Bíblia, é preciso termos a dimensão correta de sua função na vida de todo servo do Senhor.

A palavra “Bíblia” vem do grego Biblion, que significa “livros”, de modo que trata-se então da reunião de 66 livros, escritos em tempos e por autores diferentes, que narram episódios situados em tempos diversos, mas contando a jornada de um mesmo grupo. A Bíblia é uma literatura histórica que mostra a jornada do povo hebreu, e, depois, da Igreja de Cristo. Mas não se trata simplesmente disso. A Bíblia conta uma história maior, aquilo que a Teologia chama de “metanarrativa”. Isso significa que esse livro não trata somente da história de um povo, mas é, na verdade, a narrativa de como o próprio Deus se revela ao se relacionar com o homem. Essa metanarrativa é dividida em 4 grandes capítulos: Criação, Queda, Redenção e Restauração.

Entender isso é o princípio para termos claro em nossa mente que a Bíblia é a revelação de Deus sobre si mesmo. Ela traz aos homens a possibilidade de conhecer o Senhor, de entender e se deslumbrar com seu caráter, de ver, dentro do espaço-tempo, como o grande Criador do céus e da terra evidencia sua completa justiça, integridade, amor e misericórdia para com seres que constantemente se rebelam, mas, que são alcançados pela graça maravilhosa de Deus. Que preciosidade!

Mas por que dizer isso? Por que gastar tempo entendendo aspectos tão básicos? Querida irmã, em tempos como os nossos, é comum que, com pouca instrução ou com instruções erradas, crentes utilizem a Bíblia como uma espécie de livro-guru, autoajuda, o qual abrem em busca de respostas para suas próprias questões.

Em outros casos, não entender do que se trata a Bíblia faz com que ela seja vista com pouco caso. Um exemplo prático? Segundo o “Christianity Today”, em 2022, a partir de pesquisas da Sociedade Bíblica Americana, cerca de 26 milhões de pessoas tinham praticamente ou completamente parado de ler a Bíblia.

O ponto é que o cristão atual tem dificuldade de compreender que precisamos correr para o entendimento correto do que as Escrituras significam. Como fruto de nosso tempo, confiamos demais nos nossos sentimentos, e também como fruto do pecado que ainda temos neste corpo carnal, somos mais propensos a fazer o mal que não queremos (Rm 7). Logo, quando estamos com nosso espírito pouco alimentado pelos meios de graça, que nos fortalecem, acabamos mais amortecidos, mais “desligados”, e, pela correria do dia-a-dia, acabamos lendo a Bíblia com olhos e mentes errados. E isso acontece, infelizmente, até mesmo com os crentes mais dedicados e sedentos pelo Senhor.

Digo isso porque o “não ouvir o Senhor” ou “não sentir Deus falando” pode ser na verdade resultado de ler a Palavra com olhos errados. Também há vezes em que estamos sem vontade de nos dedicar às disciplinas espirituais, e isso nos leva ao amortecimento, à falta de percepção do texto bíblico como sendo fonte de conhecimento de nosso Pai.

Se você chegou aqui, é hora de sermos bem claras: ao longo da caminhada, poderão vir dias em que teremos dificuldade de perceber que, ao lermos as Escrituras, Deus está falando conosco, porque a Bíblia é a sua Palavra ao homem. Desse modo, Provérbios 22.17 nos diz: “Inclina o teu ouvido, e ouve as palavras dos sábios e aplica teu coração à minha ciència.” Somos chamadas a inclinar o ouvido, ou seja, ser intencionais e buscar a atenção, olhando mais de perto, conversando com nossa alma: “Ei, estamos diante do conhecimento de Deus, de seus caminhos perfeitos. Precisamos olhar com atenção.”

Em termos de passos a executar, precisamos:

  • Buscar o Senhor em oração, antes, durante e depois de nossa leitura bíblica, mesmo quando nos sentimos mais amortecidas;
  • Prosseguir em nossas disciplinas espirituais, mesmo quando não sentirmos vontade;
  • Olhar, inclinar-nos, buscar a atenção quando ela parece faltar, e “pegar” nosso coração e nos colocar diante da visão do Cristo revelado na Palavra.

Para terminar, deixo as palavras do pastor John Piper, em referência a Provérbios 22.17: “Como podemos ter mais prazer ao admirar, valorizar, amar, receber e desfrutar de forma apropriada daquilo que entendemos por meio da Palavra? A maneira é aplicando o coração.”

Por Sammara Cristina