Encontrando Deus no luto materno

“A presença é muito mais poderosa do que mil palavras de uma explicação.”

Dr. Juli Slattery
"Não temas, porque eu sou contigo; não te assombres, porque eu sou o teu Deus; eu te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com a minha destra fiel." (Is 41:10)

Hoje seria o meu primeiro dia das mães com o meu menino, mas acabou sendo o primeiro sem ele, sem a coisa mais linda que nós já fizemos. Nenhum texto ou as mais belas palavras superam a beleza daquele rostinho e a delicadeza daquelas mãozinhas. Não canso de dizer que ele é a coisa mais linda que já vi e que já fiz – se é que tenho algum mérito.

Qual o nome que se dá a uma mãe sem seu filho? Ela continua sendo mãe? As dores do parto ainda valem alguma coisa para aquelas que deram a luz a um coraçãozinho que não mais batia?

Mulheres que têm seus filhos no céu, hoje nossos olhares se encontram e se reconhecem.

Neste domingo seriam 25 semaninhas mas, nos planos de Deus, não são e nunca deveriam ter sido. O “se” não existe e o “talvez” ou “quem sabe” não consolam.

“E se ele ainda estivesse aqui e eu pudesse senti-lo mexer?”

“E se ele tivesse sobrevivido ao parto e eu pudesse ter ele em meus braços agora?”

“Por que o dia de hoje tem que ser sem ele?”

Sentimentos e pensamentos que apenas trazem a dor do que poderia, mas nunca vai ser. E, em meio aos nossos próprios pensamentos fantasiosos e cruciantes, também recebemos os comentários cruéis daqueles que tem a boa intenção de nos trazer alívio:

“Pelo menos ele não viverá nesse mundo e não passará por sofrimentos aqui”

“Não se preocupe, você terá outros filhos”

“Quem sabe Deus não quis poupar ele das sequelas da prematuridade”

“Talvez ele fosse sofrer demais nessa vida…quem sabe Deus não quis aliviar vocês três”

Seria, então, o viver uma punição? Deus nos amaria menos se nos permitisse viver com as demandas do nosso filho, até mesmo as mais difíceis? Não seria Deus o dono da vida e da morte? Um filho alivia a dor causada pela falta do outro? Conseguimos esquecer nossos bebês e tudo o que passamos? Deveríamos?

Diante de tudo isso só podemos encontrar alívio no que nosso Pai mesmo nos revela em Sua Palavra na presença habitadora do seu Espírito.

"Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus; serei exaltado entre as nações; serei exaltado sobre a terra." Sl 46:10

Ele é o governador soberano. É Ele quem controla absolutamente tudo. Quem pois conheceu a mente do nosso Senhor? (Rm 11:34). Quem consegue saber os porquês de Deus? Quem consegue adivinhar o futuro? E quem consegue saber o desenrolar de um futuro que nunca foi criado para existir? Tive o privilégio de ter vivido dias difíceis ao lado do meu marido e temos sido ensinados que a presença do Senhor é a resposta para todos os questionamentos.

"…vós outros que sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo. Nisso exultais, embora, no presente, por breve tempo, se necessário, sejais contristados por várias provações" (1 Pe 1.5-6)

Ele permite o sofrimento que for necessário para seus filhos de acordo com Seu propósito.

Sinceramente, a única coisa que de fato tem me consolado é saber que Ele julgou necessário que passássemos por isso, que Ele nos dá a medida certa (e por breve tempo), e que Ele fez isso por amor. Sim, amor de um Deus que se mostrou totalmente soberano e o único capaz de conduzir e sustentar nossas vidas. Amor do Deus Emanuel, do Deus que está junto ao seu povo.

O Criador e Dono de tudo o que existe, o Deus todo poderoso, nos conhece pessoalmente, traçou nossa história e nos dá apenas o que Ele julga necessário -e na medida exata- para o fortalecimento da nossa fé e para termos mais intimidade com Ele. Ele ainda está no controle e quer que contemplemos Sua face em meio às provações.

"Minha graça é suficiente para você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza (…) quando sou fraco, é que sou forte." (2 Co 12)

Não precisamos ser fortes e suportar nada, Ele mesmo nos carrega e fortalece. Nosso sumo sacerdote, o Filho de Deus, é um homem de dores que sabe o que é sofrer. Ele se compadece de nós, nosso irmão mais velho nos mostra que podemos nos achegar ao trono da graça sem reservas a fim de termos o socorro necessário para as nossas dores. (Hb 4)

Cheguei ao ponto de desesperar (2 Co 1.8); fiquei exausta de tanto gemer de tristeza, alaguei o meu leito de lágrimas (Sl 6); relutei dentro da minha alma com tristeza no coração (Sl 13); achei o peso da mão de Deus insuportável. Acho fantástico como nosso Pai nos mostra que podemos sim sentir a aflição que acomete nossas almas. Ele não pede que a confiança nele anule a dor, mas sim que nos achegamos a Ele pedindo o socorro que Ele decidir mandar.

Chorei sobre o caixão do meu filho e não vou esquecer nada, nem o número da cova dele, e preciso dizer que é um alívio saber que, pra ser curada e consolada, eu não preciso me preocupar em esquecer o que nos aconteceu. Tenho percebido que o sofrimento tem que ser sentido e vivido. O segredo não é esperar não sofrer, mas sim sofrer e viver esse momento na presença do Senhor.

A verdade é que a força para suportar o sofrimento não vem de nós – e esperar isso de si mesmo e dos outros é um fardo que ninguém foi feito para aguentar. Tenho plena convicção de que não fui forte para passar por nada do que passamos e não me sinto ainda capaz de suportar as memórias tenebrosas que ficaram (apesar de saber que com o tempo elas se tornam menos constantes e nos acostumamos com a dor que elas causam quando emergem).

Também não sou forte para aguentar a partida do meu filho todos os dias. Ser forte é um fardo que não podemos suportar. Deus é forte e eu sou fraca e, assim, testemunho as mãos Dele nos carregando, nos acolhendo e provendo tudo o que precisamos. O médico dos médicos, Jehovah-Rapha, só pode curar e restaurar aqueles que se percebem necessitados. (Mc 2.7)

As mesmas mãos que nos quebraram, que com força nos moldaram e nos colocaram no fogo, agora nos sustentam e nos envolvem com toda delicadeza. Em cada leitura bíblica, em cada devocional, Deus tem feito questão de nos mostrar que Ele nos ama e que Ele faz o que julgar necessário com nossas vidas para o nosso desenvolvimento. O sofrimento é doloroso (obviamente), mas a voz e a cura do médico dos médicos é doce e refrigera.

Não vou mentir, muitas vezes não tenho percebido a vontade Dele como agradável, apesar de saber que é boa e perfeita. Aceitar tem sido um copo amargo que a cada dia preciso tomar. Em alguns dias é rápido e quase imperceptível, nesses dias é fácil dizer “eu confio, eu aceito e me submeto a Tua vontade”. Em outros, eu sinto o amargor perdurar por todo o dia e meu espírito se inquietar com os “ses” e “porquês”.

Então, às vezes me pego pensando “por que conosco? Por que o meu filho? Por que eu tenho que passar por isso? Por que ter uma gestação tão boa e isso acontecer de repente? Ele estava saudável, por que minha bolsa estourou? Iríamos começar o sexto mês de gestação, já não deveríamos estar seguros dos riscos de perdê-lo? Isso não é coisa que a gente vê na TV?”

A verdade é que eu não gostaria de estar aqui, não me agrada que esse sofrimento faça parte da minha história e de quem eu sou hoje: mais uma mãe sem o seu filho. Porém, a vida se torna ainda mais valiosa após a perda. Ver um bebezinho aperta meu coração, só que agora entendo melhor o valor de uma vida e Quem é o único capaz de resgatá-la e sustentá-la.

Também entendo um pouco melhor o que é desejar estar na presença de Cristo e o porvir. A plena confiança de que Tiago está na presença de Cristo e plenamente feliz é motivo de extrema alegria. Mas também preciso dizer que essa certeza não anula nem diminui a saudade e a dor da perda. Para o cristão, alegria e dor andam de mãos dadas e eu entendi isso após perceber que falar essa verdade repetidamente não aliviava a dor de não tê-lo em meus braços. As certezas e convicções não são a cura, mas elas nos conduzem para o único que pode curar, o médico dos médicos, Jehovah-Rapha.

Então, como não querer estar com Aquele que sofreu e deu a própria vida para nos salvar e nos levar para morar com Ele? É nesse céu que vou ver meu filho já desfrutando da presença de Cristo. O desejo pelo porvir fica mais forte quando abastecido pela certeza de que iremos à presença daqueles que estão nos braços de Cristo. (2 Samuel 12)

Aleluia.

A renovação das nossas mentes e a cura dos nossos corações é um processo. E é preciso paciência em meio ao luto.

Em Gênesis 50 temos um belo relato sobre isso. Foram 70 dias onde a família de José e os egípcios choraram por Jacó e só depois desse período levaram seu corpo para ser sepultado junto com seus pais no campo de Macpela, em Canaã. Jacó, assim, “foi reunido ao seu povo”, fisicamente e espiritualmente, como comenta Matthew Henry:

“Ele entregou, livremente, o seu espírito nas mãos de Deus, o Pai dos espíritos: Jacó expirou. A sua alma, agora separada do corpo físico, foi para a assembleia das almas dos fiéis, que, depois de libertados do peso da carne, estão em alegria e felicidade: Ele foi congregado ao seu povo. Observe que se o povo de Deus for o nosso povo, a morte nos congregará a eles.”

Em meio a todo o sofrimento, o luto é bem particular para cada um, porém ler sobre José se lançando sobre o seu pai e o beijar em meio a lágrimas é uma realidade que eu e meu marido tivemos de conhecer com o nosso bebê. Foi exatamente isso o que fizemos enquanto pudemos segurar o corpinho dele em nossos braços e enquanto eu pude ter ele pertinho de mim ainda que deitado em meio às flores.

Matthew Henry ainda disse: “A alma que parte está fora do alcance de nossas lágrimas e dos nossos beijos, mas com elas é apropriado mostrar o nosso respeito ao pobre corpo, do qual esperamos uma gloriosa e alegre ressurreição. Assim José mostrava sua fé em Deus, e seu amor por seu pai, beijando seu rosto pálido e frio, e dando-lhe um adeus tão afetuoso.”

Escrevo tudo isso com lágrimas, mas o que me impulsiona a escrever é a beleza que Deus imprime nos seus decretos. Às vezes é difícil de enxergar, mas ela está lá, exalando o mais puro amor. Talvez a experiência da perda do seu bebê tenha sido diferente da minha, mas temos em comum o amor infinito que Deus tem por nós, suas filhas.

Por isso, preciso dizer que tem sido maravilhoso conhecer mais do meu Pai e estar mais perto Dele, ainda que seja no vale da dor. Em meio às sombras neste vale ainda podemos ver raios de sol. Podemos ficar tranquilas pois, em algum momento, esses raios de sol que contemplamos à distância estarão aquecendo nossos corações entristecidos.

É um privilégio ser mulher. É um privilégio ser – ou ter sido – mãe de Tiago. E agora aprendo quando entrego a Ele as minhas dores, Ele as recebe; quando obedeço apesar da ferida, Ele me consola e cura.

Feliz dia das mães para as mamães com filhinhos na terra e para aquelas que os tem já nos céus.

Por Giulia Alcântara, mãe do Tiago 🤎

SUGESTÕES DE LEITURA: O sofrimento nunca é em vão (Elisabeth Elliot);
Caminhando com Deus em meio à dor e ao sofrimento (Timothy Keller);
A anatomia de um luto (C.S. Lewis);
Oração da noite (Tish H. Warren).