Encantada.

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 “Se encontro em mim um desejo que nenhuma experiência neste mundo pode satisfazer, a explicação mais provável é que fui criado para outro mundo” (C.S. Lewis).

Nos últimos anos o conceito de contos de princesa tem mudado bastante, elas não são mais frágeis, pelo contrário, são Valentes, independentes, não esperam o príncipe vir salvá-las, elas mesmo se salvam e os príncipes, quando aparecem, são basicamente caracterizados como bobos da corte (uns verdadeiros bananas). Há algumas décadas as meninas eram criadas, não para serem independentes, mas para esperarem o príncipe encantado [que, aliás, virou piada desde que apareceu no filme do Shrek] e então, as histórias infantis contribuíam pra isso, os filmes adultos também transmitiam essa ideia de romance, mas hoje a cultura não está interessada em criar meninas que dependam de homens, então, os filmes infantis e adultos trazem um forte apelo à independência feminina.

Esses dias reassisti o filme “Encantada”. A história gira em torno de uma personagem de contos de princesas que “cai na (vida) real”. A princípio, o confronto com a realidade é bem difícil, mas no fim, ela aprende a viver feliz fora do mundo ideal – sem duetos perfeitos, passarinhos cantantes e vestidos bufantes – e com um homem real, tendo que lidar com questões corriqueiras da vida adulta. Vejo nessa personagem o conflito que a transição da menina Encantada com o mundo para a mulher adulta e madura. Nem sempre é fácil, mas, acho que no fim ela aprende a se equilibrar vivendo a realidade sem se desencantar com a vida.

Embora eu deva admitir que os contos de princesa mais antigos transmitam uma visão MUITO romanceada da realidade, eu ainda os prefiro aos contos mais modernos, por acreditar que eles apontam para uma realidade final muito maior do que a história nos permite enxergar. Gosto de olhar para eles sob uma perspectiva cristã, tentando encontrar pontos de comunicação.

Ainda que a intenção dos autores não seja comunicar algo sobre Deus, “toda a verdade é a verdade de Deus”[1] e, portanto, vale a pena refletir sobre ela.

É interessante notar os elementos que compõem a trama:

Há sempre um reino, ele é originalmente bom até que o mal surja nele. Isso me remete ao Éden e à entrada do pecado no mundo.

Há uma princesa desamparada e uma maldição a ser quebrada, normalmente ela acarreta em morte. Cristo veio em resgate do seu povo e quebrou a maldição sob a qual estávamos condenados pelo pecado. O príncipe destemido luta pela princesa e vence o mal e restabelecendo a paz.

Há uma luta do bem contra o mal e no fim, o bem sempre prevalece. É no mínimo curioso que o homem sempre anseie pela derrota do mal e o triunfo do bem. Isso não foi aprendido observando a natureza, onde reina a lei do mais forte. De onde vem, então, esse anseio pelo triunfo do bem? A resposta é que, mesmo tendo se corrompido pelo mal, o homem é portador da imagem de Deus, e sua consciência ainda lhe transmite os valores divinos.

O amor é apresentado como poderoso o bastante para salvar e vencer a morte. Sabemos que somente o amor de Deus tem o poder de vencer a morte, isso aconteceu lá na cruz![2]

O fim é celebrado com um grande casamento coroado com “E viveram felizes para sempre”, coincidentemente o fim/começo da nossa vida será celebrado com um grande casamento: as Bodas do Cordeiro onde seremos recebidos pelo Noivo nos portais da eternidade e então Viveremos Felizes para Sempre!

“Fizeste-nos para Ti e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em Ti” (Agostinho).

 Adão e Eva desfrutavam da felicidade plena, porém, vindo o pecado veio também a infelicidade. Desde então, sentimos um enorme desejo de encontrar a felicidade porque Deus nos criou para sermos felizes (para sempre) em seu Reino.

Por causa do pecado, a realidade a qual pertencíamos se tornou fantástica, isto é parte da fantasia, algo muito distante de nós. Fomos expulsos do “reino encantado” e condenados a viver eternamente longe dele. A história poderia terminar assim, com um desfecho trágico, mas a boa nova é que o Autor da Criação já havia escrito um final feliz para nós.

 Os contos de princesa são bonitos e cativantes porque nos levam a sonhar; eles nos remetem à saudade de algo para o qual fomos criados. Por outro lado, “por causa dos contos”, muitas meninas associam o “felizes para sempre” ao casamento. Pessoalmente, não vejo que esta seja a mensagem ou intenção final dos contos – pelo menos não de todos.

O “felizes para sempre” não diz respeito ao casamento em si, mas a vitória final do bem contra o mal que permite que o amor e a paz floreçam, pois todos os empecilhos foram removidos. Como cristã, estou convencida de que a felicidade plena só será alcançada quando Cristo vier reestabelecer a paz neste mundo. Nisto se baseia a minha esperança de felicidade. Ainda assim, também creio que Deus nos permite desfrutar neste mundo pequenas amostras da alegria que está sendo preparada para nós no porvir, uma alegria sem fim. O casamento, de forma especial, é uma dessas amostras, porém, não a única, pois, Deus nos permite usufruir de vários tipos de felicidade ao longo da vida, cada uma com suas particularidades. Mas o que torna o casamento algo especial?

A Bíblia, começa com um casamento no Éden, o ministério de Jesus também começa com um casamento em Caná, não obstante, a Bíblia termina com um casamento no Apocalipse. Do começo ao fim, ela é a mais bela história de amor, esperança, luta e restauração – esse é o propósito central do casamento, e creio que por isso, o divórcio seja tão ofensivo a Deus, porque não reflete o amor de Deus em perdoar e restaurar. Eis o grande mistério ao qual Paulo se refere em Efésios 5: Cristo e a Igreja, o motivo do casamento ser algo tão especial, cativante e ansiado.

Deus mesmo disse que não é bom que o homem esteja só (Gn 2.18), sendo assim, o desejo por companhia é algo legítimo.

“O casamento, como nós conhecemos nesta era, não é o destino final de nenhum humano” (John Piper).

Casar não é um fim em si mesmo, mas uma bênção que remete ao nosso destino eterno. Ainda assim, como solteira, sei que nem sempre é fácil lidar com o desejo de não estar só. Acredito que com algumas exceções, seja por dom, ou por escolha, a maioria das pessoas deseja se casar e isso é bom, porque o casamento é uma dádiva de Deus. O problema é quando esse desejo se torna um ídolo do coração e toda a vida passa a girar em torno da realização do mesmo.

O casamento foi dado por Deus para ser uma bênção – não uma maldição – e trata-se de uma escolha que afetará toda a nossa vida neste mundo, por isso, é preciso cautela para fazer essa importante escolha. Casar-se com um cristão, não significa ausência de dificuldades, mas é essencial estar unido a alguém que sabe que casamento tem a ver com um propósito muito maior do que paixão e auto realização. Sei que isso nem sempre é fácil de viver, há momentos em que os sentimentos querem ofuscar nossa fé na Palavra, é nessas horas que, como o salmista, precisamos pregar à nos mesmas dizendo: aquieta-te ó alma.

Como filhas amadas, Deus nos convida a buscar a fonte da mais pura e genuína felicidade: Cristo. A felicidade plena está além do que podemos ver e apalpar neste mundo. Muitas só descobrirão isso depois de formar, noivar, casar, adquirir casa própria, ter filhos, netos, boa aposentadoria, bisnetos e uma velhice feliz. Ainda assim, todas estas coisas são dádivas concedidas para a nooossa alegria.

É nosso dever fazer deste mundo um lugar feliz, não como um fim em si mesmo, mas para glorificar o Deus da alegria. Deus é alegre e deseja que seus filhos sejam alegres em todas as etapas da sua vida. Pode crer, Ele não está empenhado na sua infelicidade, muito pelo contrário, deseja que você desfrute da verdadeira alegria para que não substituí-la por nada deste mundo. Nossa alegria no Senhor deve ser refletida em nossa devoção, família, estudos, amizades, namoro, casamento, filhos, mas não estar condicionada a eles.

Vale ressaltar que, quanto ao matrimônio, não devemos esperar perfeição, porque casamento não é um conto de princesas, isso porque, ao invés de príncipes encantados e princesas perfeitas, há dois pecadores lutando para ser santos. Não sei de onde surgiu a ideia de príncipe do cavalo branco, mas uma coisa eu sei, o único que vem montado no cavalo branco é Cristo, conforme descrito no Apocalipse! Portanto, não fantasie a realidade imperfeita. Não coloque o anseio pelo bem perfeito sobre (uma) criatura (s) imperfeita(s).

Ao contrário dos contos modernos, com suas princesas guerreiras e rebeldes, os antigos contos de princesa ainda me remetem à nossa fragilidade humana, ao desejo de ser salvo por alguém, ao anseio de pertencer a um reino de paz, onde há alegria todos os dias, um lugar onde NUNCA envelheceremos.

Enquanto aguardamos o glorioso dia em que se dirá “E então, viveram felizes para sempre” Deus nos convida a viver a realidade que está diante de nós, não como princesas encantadas, mas como mulheres reais, cientes das imperfeições do mundo, mas confiantes no futuro que aguardamos.

Há dois textos belíssimos em Isaías que servem pra esta reflexão: “Canta alegremente […] porque o teu Criador é o teu marido; (Isaías 54:1,5).

Mais importante do que se preocupar em casar neste mundo é ter a certeza de que um dia Cristo se casará com você e não haverá morte que os separe. De fato, o casamento é um ato muito importante, seja aqui ou na eternidade, ele mudará sua vida para sempre! Portanto, se você é cristã, alegre-se em saber que o teu Criador é o teu marido. Essa certeza deve ser a maior alegria da sua vida e fazer você calar e sossegar a alma, tal qual criança desmamada se aquieta nos braços de sua mãe (Salmos 131:2)

“ […] nem tampouco diga o eunuco: Eis que eu sou uma árvore seca. Porque assim diz o Senhor: Aos eunucos que guardam os meus sábados, escolhem aquilo que me agrada e abraçam a minha aliança, darei casa e dentro dos meus muros, um memorial e um nome melhor do que filhos e filhas; um nome eterno darei a cada um deles, que nunca se apagará.” (Isaías 56:3-5)

Não despreze o fato de ser solteiro. Não diga que você é uma árvore seca. Como mulheres, nosso chamado fundamental (estabelecido na Criação) é gerar vida. As mulheres quando casadas são chamadas para gerar e criar filhos para a glória de Deus (1 Co 7:32-34 “as casadas cuidem das coisas de casadas”), as solteiras são chamadas para gerar e “criar” filhos ESPIRITUAIS. Não dá pra ficar pensando dia e noite “com que será que eu vou me casar” quando há tanto a se fazer em prol desse chamado. Nossa vocação mais importante no mundo é dar à luz [até porque, homem algum pode fazer isso em nosso lugar], seja através de um útero e também por meio da fé.

Além disso, vale lembrar que, o casamento é acima de tudo um meio de santificação pessoal e mútua. O famoso texto de Romanos 8:28 diz que “todas as cooperam para o bem daqueles que amam a Deus,  daqueles que são chamados segundo o seu propósito”, a continuação, que quase ninguém lê, diz: “porquanto, aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho”. Agora, vamos analisar o que o texto está dizendo. Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus porque o que quer que nos aconteça, irá contribuir para o propósito para o qual Deus nos predestinou. Qual propósito? Sermos conformes à imagem de Seu Filho (v.29). O que isso quer dizer? Que tudo o que Deus faz é em prol da nossa santificação, para que sejamos mais parecidos com Cristo. Ou seja, você não precisa de um marido pra Deus te santificar, Ele tem outras maneiras, igualmente eficazes pra isso, inclusive, o fato de você estar solteira neste exato momento é uma delas. Portanto, glorifique a Deus vivendo cada etapa da vida buscando nEle a sua alegria.

Não deixe que a visão Encantada da vida gere em você insatisfação. A vida está acontecendo aqui e agora, não perca a oportunidade de desfrutar o que o Senhor tem pra você hoje. “Há muitas mulheres solteiras que estão permitindo que seus desejos matem o apetite das suas vidas. Elas não estão dando o coração e a alma à vontade de Deus porque estão morrendo por algo que Deus não lhes deu”[3]

[1] Agostinho

[2] Ó morte, onde está o teu aguilhão? (I Co 15:55).

[3] Elisabeth Elliot.