EM QUE NÓS NOS AGARRAMOS?

Hoje o dia amanheceu assim: nublado e frio. Dias assim, geralmente, me empurram para dentro, parecem um convite tentador ao meu temperamento melancólico e reflexivo que, logo, trata de se aconchegar ao clima, seleciona a playlist “melancolia” no Spotify, toma seu balde de pipoca com manteiga e se ajeita para assistir às minhas emoções mais absortas. Dias assim me assombram com tristeza, perguntas, medos e incertezas, então, por vezes, escrevo para dar voz aos sentimentos, e, outras, para silenciá-los.

Quero falar sobre os dias em que o coração amanhece pesado ao ponto de não encontrarmos ânimo forças para levantar da cama. Os dias em que nossas orações parecem não passar do teto e tudo ao redor parece não encontrar sentido. Dias que não vêm no roteiro da vida cristã e que nos fazem sentir fracas demais para carregar tão célebre título. Os ventos sopram e nos vemos envoltos em medos e angústias. Ah, Senhor, que bom seria se todos os dias encontrássemos paz ao recostar a cabeça sobre o travesseiro; e ao acordar nossas dores fossem embora.

Mas, escrevo estas palavras, não para fazer um canto à melancolia, sim, um canto à esperança. Os dias maus sempre existirão no mundo dos homens. Esses dias em casa, na maior parte do tempo, têm sido gotas de orvalho em minha vida, mas, ao mesmo tempo, há dias em que me pergunto como será o amanhã. Onde e como estaremos daqui a dois ou três meses? E se o nosso mundo, de fato, voltará ao que era antes da pandemia? Confesso, sou inclina a visões apocalípticas.

Mas, enquanto me faço estas perguntas lembro-me de uma cena entre dois amigos que enfrentavam provações muito maiores que as minhas. Na versão cinematográfica de O Senhor dos Anéis, Frodo e Sam, os dois hobbits protagonistas da história dialogam:

— É como nas grandes histórias, senhor Frodo. As que tinham mesmo importância. Eram repletas de escuridão e perigo. E, às vezes, você não queria saber o fim, por que como podiam ter um final feliz? Como podia o mundo voltar a ser o que era depois de tanto mal? Mas, no fim, é só uma coisa passageira. Essa sombra. Até a escuridão tem de passar. Um novo dia virá. E, quando o Sol brilhar, brilhará ainda mais forte. Eram essas as histórias que ficavam na lembrança, que significavam algo. Mesmo que você fosse pequeno o bastante para entender por quê. Mas acho, senhor Frodo, que eu entendo, sim. Agora eu sei. As pessoas dessas histórias tinham várias oportunidades de voltar atrás, mas não voltavam. Elas seguiam em frente, porque tinham no que se agarrar.

— Em que nós nos agarramos, Sam? – pergunta Frodo.

— No bem que existe neste mundo, senhor Frodo, pelo qual vale a pena lutar —, explica Sam, levantando o pequeno hobbit abatido.

Quanta beleza há nesse pequeno diálogo. Quantas lições podemos extrair dele: “Até a escuridão tem de passar. Um novo dia virá. E, quando o Sol brilhar, brilhará ainda mais forte.”, certamente, esta é uma imagem a qual não podemos perder de vista, a escuridão tem que passar e quando o Sol brilhar, brilhará ainda mais forte”.

É certo que no intervalo entre a escuridão e o raiar do Sol, ao qual chamamos vida, os dias nublados virão, cedo ou tarde. Mas, tal como os pequenos hobbits, temos uma esperança maior; ao bem que existe neste mundo chamamos Graça e ela se faz presente mesmo nos dias mais sombrios. Deus simplesmente não nos deixa sós quando nos sentimos casadas demais. Ele não nos abandona quando a jornada é pesada e sentimos que não podemos mais avançar, antes, nos lembra se temos em que, ou, melhor, em Quem nos agarrar a jornada se torna um pouco mais leve.

Então, a grande questão que irá dizer como enfrentaremos essa jornada é a mesma do pequeno hobbit: em que nós nos agarramos? Qual é o motivo da nossa esperança? Será o tempo, a economia, a saúde ou a companhia de entes queridos? O que te faz prosseguir? O que te faz não desistir?

Entregar-se a graça de Deus nos ensina a lidar com os tempos de provação, e privação, pois nos lembra que não estamos lutando com nossas próprias forças. A graça nos convida todas as manhãs a prosseguir, mesmo quando o sol se cobre dentre as nuvens e a alma obscurece. Nesses dias, precisamos nos lembrar que não deixamos de ser alvos da graça de Deus. A graça não deixa de ser só porque os nossos olhos não conseguem contemplá-la.

Ah, se não houvesse graça, a vida iria de mal a pior – e, precisamos concordar que não tem sido assim. É por meio da graça que somos guardadas, nem sempre das tribulações, mas, certamente nas tribulações; no meio delas encontramos forças para prosseguir.

Deus está conosco, mesmo quando passamos por dias escuros e noites sombrias. Mesmo quando nos sentimos solitárias e abandonadas, mesmo em dias como esse, ao som de minha playlist “melancolia”, posso me apegar ao bem que há nesse mundo: graça. Sei que este dia logo passará e um novo amanhecer surgirá, mas, permita-me perguntar mais uma vez: quando os tempos de provação nos assaltam em que nós nos agarramos?

Que as contrariedades da vida não sejam motivo de desânimo, que os dias difíceis não nos privem de enxergar a beleza da graça de Deus. O seu amor transcende e transforma todas as circunstâncias.  

— No bem que existe neste mundo, senhor Frodo, pelo qual vale a pena lutar, explicou Sam, levantando o pequeno hobbit abatido.