DISCIPULADO: uma necessidade urgente.

discipuladoNos últimos anos muitos materiais foram publicados falando sobre o que é discipulado, métodos de discipulado, como ter um discipulado eficaz, e etc. Mas, infelizmente, quando ouvimos falar em discipulado ainda parece ser um tempo muito complexo e distante da realidade da maioria dos cristãos. Muitos cristãos ainda não compreendem o que é discipulado, como discipular e, principalmente, POR QUE discipular.

Falar sobre discipulado e, acima de tudo, pratica-lo é uma necessidade urgente. Precisamos resgatar uma cultura de discipulado bíblico em nossas igrejas. Antes de falar melhor sobre esse assunto gostaria de compartilhar minha experiência pessoal com o discipulado.

Entre os diversos métodos modernos de discipulado existe o MDA (Modelo de Discipulado Apostólico) que consiste basicamente em pequenos grupos, denominados de células, onde as pessoas se reúnem semanalmente e todos os membros são discipulados por alguém. A ideia é que por meio desses grupos menores o cuidado e o crescimento sejam maiores. O método possui muitos aspectos que, se bem utilizados, podem ser muito positivos para a igreja, principalmente se tratando de igrejas muito grandes, pois ele gera proximidade entre os membros e permite um acompanhamento por parte da liderança. Por outro lado, muitos abusos e desvios doutrinários, têm ocorrido dentro dessa visão.

Durante quatro anos eu fiz parte de uma igreja que abraçava esse modelo de discipulado (MDA); fui líder de célula, discipulei algumas moças e também fui discipulada. Na época eu achava o máximo a visão de discipulado que a igreja seguia e eu estava tão imersa nessa visão que reproduzia passo a passo as orientações recebidas. Mas, passado algum tempo percebi que o discipulado parecia não surtir muito efeito na vida das pessoas e muitas vezes acabava se tornando muito mais um meio de exposição, e até mesmo de fofoca, do que de edificação e aprendizado.

Passado algum tempo acabei saindo desta igreja e criando certa aversão a algumas práticas que vivenciei por lá, dentre elas o modelo de discipulado que aprendi. Veja bem, o problema não estava no discipulado, que é um princípio bíblico, mas no modelo que me foi transmitido e que, até então, era o único que eu conhecia. O tempo passou sem que eu cogitasse qualquer possibilidade de me envolver com o discipulado novamente.

Até que em 2018 uma moça veio me perguntar se eu poderia lhe dar estudos bíblicos semanalmente. A ideia me pareceu boa e na semana seguinte iniciamos nossos encontros que incluíam oração, leitura da Palavra, compartilhamento e encorajamento. Esses encontros criaram uma proximidade maior entre nós. Mas, com a correria do trabalho acabei negligenciando um pouco esses encontros, desmarquei algumas vezes e, ao final, fazíamos quando dava, duas ou três vezes por mês.

Em agosto do mesmo ano fui à Conferência Fiel Mulheres e por uma feliz “coincidência” a Renata Gandolfo deu um workshop sobre discipulado. Era exatamente o que eu precisava ouvir, fui profundamente confrontada por Deus em diversos aspectos. Primeiramente, me dei conta de como tinha dúvidas sobre o que é o discipulado e como fazê-lo, minha mente estava cheia de conceitos equivocados que obscureciam o meu entendimento quanto a essa prática bíblica. Eu havia aprendido uma forma equivocada de discipulado e isso fez com que eu criasse uma barreira.

Me dei conta também de que aqueles encontros para estudar a Bíblia que eu vinha tendo com essa moça e a proximidade que criamos nada mais eram do que um discipulado. Por fim, Deus me cobrou acerca da minha negligência para com essa irmã, pois eu não estava dando a devida importância a esse ministério que Ele havia colocado em minhas mãos.

Cada ensinamento daquela tarde na conferência Fiel me fez refletir sobre muitas questões acerca do discipulado e eu gostaria de compartilhar com vocês algumas delas.

Ao falar de discipulado, precisamos responder algumas perguntas.  Primeiramente,

  • O que é discipular?

Segundo o pr. Mark Dever, discipular nada mais é do que ajudar o outro a seguir Jesus. Simples assim.

  • Por que precisamos discipular?

Porque somos discípulos de Jesus, e na qualidade de discípulos é nosso dever fazer outros discípulos. Discípulos fazem discípulos.

  • Qual a origem do discipulado?

A origem do discipulado é bíblica. Encontramos algumas referências de “discipulado” no Antigo Testamento, mas ele é claramente evidenciado através do ministério de Jesus. Além disso, Cristo claramente ordenou que fizéssemos discípulos:

“Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século.” (Mateus 28:18 – 20)

  • Quem pode discipular?

A evangelização e o discipulado não são missões para super crentes, mas para pessoas comuns como eu e você. O discipulado é uma ordenança para todos os cristãos. A partir do momento em que seguimos a Cristo é nosso dever trabalhar para que outros o sigam também.

  • Como discipular alguém?

O discipulado não é uma receita de bolo com medidas exatas, mas ele possui alguns ingredientes essências, o principal deles é a centralidade da Palavra de Deus. O cerne do discipulado deve ser a Palavra, sem a Palavra o discipulado perde o seu propósito. Não há como ajudar alguém a seguir a Jesus sem usar a Escritura.

Mas, o discipulado também envolve oração, encorajamento, confronto, confissão, apoio e compartilhamento;

É importante ressaltar que discipular não é moldar o outro à minha imagem, mas à imagem de Cristo;

Discipular não é mostrar ao outro o quão pecador ele é e o quão santo eu sou;

Discipular não é falar de mim mesma, mas de Jesus; não é um chamado para fazer admiradores (meus), mas discípulos de Cristo;

Discipular é uma relação de vida na vida, isto é, chamar alguém para fazer parte da minha vida, pra caminhar comigo lado a lado, assim como Cristo fez com os seus discípulos;

Discipular é compartilhar de mim mostrando minha própria vulnerabilidade – que sou tão falha, pecadora e necessitada da graça e da misericórdia de Deus como qualquer um;

Discipular é assumir os riscos que envolvem um relacionamento de vida na vida, inclusive a traição – da qual nem mesmo Jesus esteve imune.

O discipulado envolve riscos emocionais e é preciso disposição para assumi-los: envolvimento, dedicação e sacrifício são aspectos essenciais.

  • A quem discipular?

É importante que o discipulado seja realizado entre pessoas do mesmo sexo. Além disso, é preciso ter em mente que o propósito do discipulado é ajudar alguém a seguir Jesus. Nesse sentido, ele pode acontecer tanto na igreja quanto fora da igreja. Você pode começar a evangelizar uma colega da faculdade, uma vizinha e, dependendo do interesse dessa pessoa, iniciar o discipulado. A evangelização é geral, é nosso dever pregar a TODA criatura, mas o discipulado é pessoal, não envolve apenas o anúncio, mas o ensino e o compartilhamento contínuo das verdades de Deus.

 Você pode realizar o discipulado mulheres mais novas, em idade similar, ou novas convertidas dentro de sua igreja.

  • O que é preciso para discipular?

Amor, tempo, disposição, sacrifício e serviço. Discipular é servir.

  • Por onde começar o discipulado?

No VEcast o Vinicius Musselman dá três passos importantes para se iniciar o discipulado:

  1. Ore por uma pessoa específica
  2. Convide-a para um encontro informal para gerar uma aproximação
  3. Proponha o discipulado

É importante observar esses três passos. A oração é primordial, precisamos buscar a Deus em todas as coisas e sondar as nossas motivações a fim de corrigi-las, ninguém melhor do que Deus para fazer isso. Além disso, muitas vezes somos movidas por emoções, iniciamos, mas não damos continuidade, por isso, é preciso buscar a Deus antes de tudo. É importante também que direcionemos nossas orações para uma pessoa específica, alguém que nós já conhecemos e observamos.

É preciso ter algum nível de proximidade com essa pessoa porque o discipulado é antes de tudo um relacionamento, não é algo impessoal, então, é preciso promover uma aproximação, conhecer a pessoa e se deixar conhecer também. Só então, certos de que estamos prontos e dispostos a assumir essa responsabilidade devemos fazer a proposta do discipulado.

É importante ressaltar que pode ocorrer que a pessoa não queira ser discipulada, e devemos encarar isso com maturidade, sem ressentimentos, colocando tudo diante de Deus. Talvez não seja o momento, ou a pessoa indicada. Enfim, Deus sempre conduzirá todas as coisas para a sua glória, devemos descansar nessa certeza.

Exercendo o nosso papel: influenciadoras do bem

Frequentemente reclamamos da falta de mulheres mais velhas para discipular as mais jovens nas igrejas, mas a pergunta a ser feita é: e quanto a mim? Eu tenho desempenhado o meu papel? Quantas mulheres, jovens e adolescentes há em minha igreja que eu poderia discipular?

Talvez a sua igreja não possua uma cultura de discipulado, mas você pode dar o primeiro passo. Tenho certeza de que há pelo menos 5 mulheres ao seu redor que você poderia começar a discipular este ano.

Vivemos em um tempo em que há muitos “influenciadores digitais”, infelizmente, a influência exercida por eles é quase sempre negativa. Mas nossas jovens e adolescentes têm consumido todo o lixo tóxico produzido por eles. Elas têm sido mais influenciadas por mulheres ímpias do que por mulheres cristãs! Você já parou pra pensar em quão lastimável é isso? Nos efeitos que isso causará daqui a cinco, dez, ou quinze anos? Nos prejuízos que isso poderá acarretar a elas e às futuras famílias? Continuaremos assistindo passivamente a isso? Ou iremos exercer o nosso papel?

Como bem disse a Renata Gandolfo, “cristãs moldadas pela cruz devem influenciar e moldar outras à cruz de Cristo”. Esse é o nosso papel, ser influenciadoras do bem, ou, numa linguagem bíblica, mestras do bem (Tito 2:3).

Como podemos fazer isso na prática?

 Quando observamos o modelo de discipulado de Jesus aprendemos aspectos muito interessantes. O discipulado de Jesus não tinha dia, hora ou local previamente marcado. O discipulado de Jesus era muito dinâmico, fazia parte de sua vida e rotina. O que isto significa? Não devemos marcar dia e hora para o discipulado?

Não, significa que precisamos entender que discipular não é uma fórmula; não é ficar trancado numa sala olhando para a Bíblia. A Palavra de Deus é viva e dinâmica e nós devemos seguir o exemplo de Jesus, Ele conseguia ensinar a partir de situações corriqueiras, elementos do cotidiano e realidades conhecidas, trazendo a Bíblia para o dia a dia das pessoas.

Talvez essa seja uma das maiores falhas do discipulado moderno, estamos “formando” cristãos que não conseguem aplicar sua fé na vida cotidiana. Elas só conseguem enxergar sua fé no contexto de sábado e domingo. Ao sair para seus trabalhos, faculdades e lazer deixam a Bíblia de lado para “viverem suas vidas”.

O discipulado moderno tem criado um abismo entre as coisas de Deus e as coisas dos homens. Abismo que Cristo rompeu ao manifestar em si mesmo a natureza de Deus e do homem.

Cristo mostrou a pescadores como a Palavra de Deus é vida e como se aplica à nossa realidade, seja varrendo a casa atrás de uma dracma – quem nunca perdeu uma moeda e procurou até encontrar? – Seja no seu trabalho, cuidando de ovelhas, ou se tratando de conflitos familiares entre pais, filhos e irmãos.

O discipulado deveria ser uma coisa viva, real e contínua. Discipular não envolve quatro paredes, não há problema nisso, mas a questão é que ele é mais do que isso, ele precisa ir além disso.

O discipulado deve ser um meio de fazer com que as pessoas percebam a conexão entre a Palavra de Deus e a vida delas. Caso contrário, a Bíblia continuará sendo aquilo que é para muitos que estão dentro da igreja, apenas um livro religioso usado aos sábados e domingos.

Um discipulado genuíno traz a Palavra para a vida das pessoas.

Para concluir, quero deixar algumas observações sobre o discipulado:

  • Ele precisa ser intencional. Como? Se tornando parte da sua rotina, com dia, horário e local marcados e mantendo uma frequência, semanal ou no máximo quinzenal.
  • Deve haver transparência e um desejo mútuo de que ele aconteça. Ninguém deve ser forçado ao discipulado.
  • A partir do momento em que você assume a responsabilidade de discipular você assume também a responsabilidade de orar. Então, ore por esta pessoa.
  • Fuja do orgulho, lembre-se que somos meros instrumentos nas mãos de Deus. Discipular não nos torna melhores ou mais espirituais, afinal somos servos inúteis, fizemos apenas o nosso dever (Lc 17:10)

“Pois quem é que te faz sobressair? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te vanglorias, como se o não tiveras recebido?” (1 Co 4:7)

  • Comprometa-se e disponha-se. Nem todos os dias haverá ânimo para o discipulado, mas mesmo nesses dias precisamos nos lembrar do nosso compromisso, primeiramente diante de Deus e honrá-lo.

“Quanto fizeres algum voto ou promessa, cumpre-os sem demora, pois, somente os tolos desagradam a Deus. Cumpre, pois a tua palavra! Portanto, é melhor não prometer do que fazer um voto e não cumprir a palavra empenhada. Não permitas, pois, que tua boca te conduza ao pecado.” (Ec 5:4-6)

  • Lembre-se que você é servo e não senhor. Sua função não é comandar a vida dessa pessoa, mas orientá-la no temor do Senhor. Quanto mais dependente de Deus e menos dependente de você ela se tornar melhor. Isso significa que está indo no caminho certo.
  • Perdoe e exerça misericórdia. Nossa tendência ao discipular é nos envolvermos de tal maneira que nos sentimos pessoalmente ofendidas quando a pessoa a quem discipulamos falha ou ignora nossos conselhos e exortações. Devemos direcionar a ofensa para Deus e não para nós. Não nos cabe exercer o juízo, mas orar, perdoar e exercer o ministério da reconciliação levando-a aos pés de Cristo.
  • Seja sigilosa. Discipular é lidar com vidas, vidas que são preciosas para o Senhor; é cuidar dos pequeninos de Deus, e ai daquele que fizer um deles tropeçar. Por isso, não exponha as conversas entre vocês, nem as use como arma de acusação, chantagem ou manipulação. Isso é diabólico.
  • O propósito do discipulado não é falar da vida alheia! Não transforme esse tempo precioso em encontro para fofocas. Não dê lugar a maledicência.
  • Esteja disposta a compartilhar sua vida, suas fraquezas, lutas e dificuldades, isso gera intimidade e crescimento mútuo. Lembre-se que antes de tudo vocês são companheiras de peregrinação.

E, por fim, mas não menos importante,

  • Não se prenda a estereótipos de discipulado, Jesus discipulava comendo, pescando, caminhando, no templo, no monte, no mar… O discipulado não precisa e não deve ser uma coisa engessada, pode haver variações. Vocês podem tomar um café da tarde juntas, almoçar, fazer uma caminhada ao ar livre (uma forma de incentivo à atividade física enquanto compartilham das coisas de Cristo), ler e estudar um livro juntas. Talvez, em algum dia vocês sintam uma necessidade de dedicar mais tempo à oração, ou você sinta que sua irmã em Cristo desabafar, ser ouvida e chorar. O discipulado engloba todas essas situações e precisamos ser sensíveis a elas. O mais importante não é o formato, mas o conteúdo, o propósito do discipulado.

Precisamos deixar de lado nossos medos e inseguranças, “Cristo é suficiente para fazer de nós discípulas e discipuladoras”[1], a capacidade não vem de nós, mas dEle.  Pra concluir, deixo aqui as palavras do apóstolo João dirigidas a Gaio, seu filho na fé: “Não tenho maior alegria do que esta, a de ouvir que meus filhos andam na verdade.” (III João 1:4). Essas palavras me trouxeram motivação, quero experimentar essa mesma alegria que o apóstolo sentiu ao ver seus filhos andando na verdade. Creio que esse é um dos maiores gozos que o Senhor nos concede na vida cristã: discipular e ver os frutos.

            Eu quero experimentar isso este ano, e você? Eu tenho duas pessoas em mente que eu gostaria de discipular e tenho pedido a Deus para que isso se concretize. Eu gostaria de te discipular a iniciar um discipulado este ano. Pense em algumas mulheres, ore por elas e se aproxime. Que possamos desfrutar dessa graça que é ajudar outras pessoas a seguirem Jesus.

Que Deus nos capacite para o louvor de sua graça.

No Amor de Cristo,

Prisca Lessa

Conteúdos sobre DISCIPULADO:

Vídeos:

Discipulado: O que é e como discipular? (Parte 1/2) https://www.youtube.com/watch?v=N6BspHRcfAk

Discipulado: Desculpas para não discipular e abusos no discipulado (Parte 2/2) https://www.youtube.com/watch?v=4hUL6KitsMk

Artigos:

Como começar um discipulado com mulheres: https://voltemosaoevangelho.com/blog/2015/07/como-comecar-um-discipulado-com-mulheres/

Material recomendado sobre discipulado (Voltemos ao Evangelho): https://voltemosaoevangelho.com/blog/2017/08/discipulado-desculpas-para-nao-discipular-e-abusos-no-discipulado-parte-22-vecast-11/

Como promover discipulado entre mulheres de diferentes gerações: https://voltemosaoevangelho.com/blog/2017/01/como-promover-discipulado-entre-mulheres-de-diferentes-geracoes/

Discipulados de mulheres: ensinando ovelhas a serem ovelhas: https://voltemosaoevangelho.com/blog/2017/03/discipulado-de-mulheres-ensinando-ovelhas-serem-ovelhas/

Livros:

Ministério de Mulheres: amando e servindo a igreja por meio da Palavra, Gloria Furman e Kathleen Nielson https://www.editorafiel.com.br/ministerio-de-mulheres/443-ministerio-de-mulheres.html

Discipulado: como ajudar outras pessoas a seguir Jesus, Mark Dever https://vidanova.com.br/812-discipulado-9marcas.html?utm_source=ve-link&utm_medium=ve-link&utm_campaign=ve-link

A Treliça e a Videira: a mentalidade de discipulado que muda tudo, Tony Payne e Colin Marshall https://www.editorafiel.com.br/igreja-e-ministerio-pastoral/602-a-trelica-e-a-videira.html?utm_source=ve-link&utm_medium=ve-link&utm_campaign=ve-link

[1] Frase proferida por Renata Gandolfo na Conferência Fiel Mulheres 2018