Conhecendo o Deus que se revela

Todos cremos em alguma coisa. Bruce Nicholls disse que “Basta sermos humanos para defender algum tipo de sistema de crenças”. Embora nem sempre estejamos cientes disso, a verdade é que, ao longo dos anos, nossas concepções e opiniões vão sendo moldadas a partir de experiências, da educação que recebemos, da família e sociedade em que vivemos, da cultura que nos cerca, etc. Cada pessoa possui uma “bagagem” diferente, e é por isso que existem visões tão contrastantes de mundo.

Quando nos identificamos como cristãos, estamos assumindo que pertencemos a um grupo de pessoas que enxerga a vida sob a perspectiva dos ensinamentos de Cristo. Alguns de nós cresceram na igreja, já outros, vieram a Cristo há menos tempo. Mas, independentemente do ponto em que estamos na caminhada cristã, há verdades fundamentais que precisam ser conhecidas e compreendidas por todos os que professam a Cristo como Senhor e Salvador. Chamamos essas verdades de “fundamentos” ou “bases” da fé cristã.

Para se construir uma casa, é necessário, primeiro, estabelecer os fundamentos, que serão os responsáveis por sustentar toda a construção. Da mesma forma, enquanto cristãos, precisamos estar bem alicerçados nos assuntos basilares da fé, antes de avançarmos para verdades mais complexas das Escrituras.

Este é o primeiro texto da série “Entendendo o que cremos” sobre os Fundamentos da fé cristã. O primeiro fundamento que iremos analisar diz respeito ao Ser de Deus.

Quem é Deus?

Essa pergunta parece ser simples, mas me atrevo a dizer que muitos cristãos não possuem o entendimento correto acerca de quem Deus é. Muitos criam um deus à sua própria imagem e semelhança, e não estou falando de imagens de escultura. Estou falando de entendimentos equivocados sobre Deus.

Muitas vezes, caímos no erro de querer “encaixar” Deus nas características que nós desejamos que Ele tenha. Criamos um “perfil” de deus que se amolde aos nossos gostos e preferências pessoais. Desejamos adorá-Lo, desde que Ele faça exatamente o que nós pedimos. Queremos louvá-Lo, contanto que Ele se comporte exatamente como nós esperamos que Ele se comporte. Dessa forma, criamos para nós deuses que não se assemelham em nada ao Deus das Escrituras.

Aquilo que cremos sobre Deus impacta toda a nossa vida, e o entendimento errado sobre Ele pode nos levar ao pecado da idolatria. Por isso, é urgente e necessário que, como cristãos, tenhamos a visão correta sobre quem Deus é.

Podemos conhecer a Deus?

Por um lado, observamos que Deus, o Criador de todas as coisas, é um Ser eterno, infinito e ilimitado, enquanto nós, seres humanos, somos criaturas limitadas em nosso entendimento. Por essa razão, podemos dizer que jamais seremos capazes de conhecer a Deus de forma total e completa, pois não somos capazes de assimilar sua infinitude.

Mas, por outro lado, vemos que Deus se permite ser conhecido em certa medida. E não somente isso, Ele deseja que nós o conheçamos. Esse seu desejo se evidencia no fato de que Ele decidiu revelar-se a nós.

Na Teologia, dizemos que Deus se revela aos homens de duas maneiras: através da revelação geral e da revelação especial.  A revelação geral se dá, principalmente, através da natureza. A Bíblia nos diz que toda a Criação testifica da existência de Deus. As coisas criadas como o céu, a terra, o sol, a lua, as estrelas, as plantas, animais e o próprio ser humano nos revelam a existência de um Deus criador (Sl 19:1, Rm 1:19-20).

A revelação geral também se dá através da nossa consciência. Sabemos que todos os homens, em todas as civilizações, possuem um código de ética. Apesar das variações culturais, todos possuem um senso de certo e errado, de justo e injusto. Esse senso de justiça é algo que nasce conosco, pois Deus escreveu Sua lei em nosso coração. Portanto, a consciência humana também testifica da existência de Deus, sendo ela mais uma forma de revelação geral.

Já a revelação especial se dá através das Escrituras. É através da Bíblia que Deus nos permite conhecer melhor Seus atributos, e nos dá detalhes sobre Suas obras e Seu plano de salvação.

Muitos de nós, por vezes, desprezamos o privilégio que é ter acesso à palavra de Deus. Termos a Bíblia ao alcance das nossas mãos se tornou algo tão comum, que, muitas vezes, negligenciamos o privilégio de abri-la, lê-la e estudá-la. Mas é através dela que podemos conhecer o Criador do Universo. Essa verdade deveria nos maravilhar: o Senhor de toda a terra, o Rei dos reis, coroado de glória, honra, majestade e poder, tornou-se acessível a nós. Ele nos deu um Livro para que pudéssemos conhecê-Lo.

Deus está tão ciente da nossa limitação e incapacidade que Ele falou na língua dos homens. Através dos profetas, dos apóstolos e do Seu Filho, Deus falou numa linguagem que nós pudéssemos compreender, a fim de possibilitar que nós o conhecêssemos. Ele descreveu a si mesmo em termos humanos, para que fôssemos capazes de assimilar, em certa medida, seu Ser ilimitado, com nossa mente limitada. 

Quão preciosa é essa verdade! Que, em gratidão a esse presente, possamos nos esforçar e nos dedicar mais para conhecermos o nosso Deus através da Sua palavra.

Os atributos de Deus

Como vimos, é através da Bíblia que Deus se revela a nós de maneira especial, ou seja, específica. Nela, encontramos verdades a respeito do ser de Deus, dentre elas suas características, às quais chamamos de ‘’atributos’’. A Teologia divide os atributos de Deus em atributos incomunicáveis e comunicáveis.

Os atributos incomunicáveis são aqueles que Deus não compartilha conosco, são características exclusivas Dele. Nesses aspectos somos diferentes do Senhor. Alguns exemplos são Sua eternidade, infinitude, imutabilidade, soberania, onisciência, onipresença e onipotência.

Já os atributos comunicáveis são aqueles que Deus compartilha conosco. Embora não sejamos Deus, somos criaturas feitas à imagem e semelhança Dele. Por isso, podemos possuir características em comum com o Senhor. São alguns exemplos a santidade, bondade, justiça, amor, retidão, graça, misericórdia e sabedoria.

Aplicações práticas dos atributos de Deus

Por que é importante conhecermos os atributos de Deus? Bem, em primeiro lugar, para que não caiamos no pecado da idolatria.

1. Um alerta contra a idolatria

Muitos cristãos têm a tendência de enfatizar os atributos de Deus que lhes parecem mais agradáveis, como, por exemplo, o amor, a graça e a misericórdia. Alguns crentes se recusam a adorar um Deus que se ire ou se indigne. Mas a verdade é que esses são aspectos do caráter de Deus que estão presentes nas Escrituras, e nós não podemos simplesmente fechar os olhos para eles. A ira e a indignação de Deus procedem da sua justiça e santidade. Deus não seria justo, se pudesse ser complacente com pecado. Deus não seria santo, se não repudiasse a imoralidade. Assim, Deus só é justo porque Ele se ira e se indigna contra tudo o que vai contra a sua natureza, que é santa e pura.

Por outro lado, existem também pregadores e denominações que dão tanta ênfase à ira e à justiça de Deus, que acabam retratando a imagem de um Deus implacável, inacessível e indisposto a perdoar. Essa visão também está equivocada.

Não podemos omitir alguns atributos de Deus, nem enfatizar um atributo mais do que a outro, pois corremos o risco de estar pregando e adorando a um deus que se amolda às nossas preferências pessoais, e isso é idolatria. O Deus único e verdadeiro apresentado nas Escrituras compreende, em seu Ser, todos os Seus atributos simultaneamente, de modo que nenhum deles prevalece sobre os demais. Cada um dos Seus atributos faz parte da Sua pessoa em igual medida. 

2. Vidas transformadas

Em segundo lugar, é importante conhecermos os atributos de Deus, pois esse conhecimento tem o poder de moldar a forma como vivemos nossas vidas ordinárias. Quando olhamos para os atributos incomunicáveis de Deus, percebemos o quanto Ele é maior do que nós, e digno do nosso louvor e da nossa confiança. Já quando olhamos para os atributos comunicáveis de Deus, aprendemos que devemos viver para refletir Seus atributos. De maneira prática,

  • Saber que Deus é Soberano me levar a descansar, confiar e não andar ansiosa ou preocupada com o futuro, pois sei que Ele está no controle de todas as coisas;
  • Saber que Deus é Onipotente me leva a acreditar que não importam as circunstâncias da minha saúde, meu trabalho, meu casamento, minha vida financeira ou emocional: Ele é capaz de realizar milagres e fazer o que é impossível aos olhos humanos.
  • Saber que Deus é Bom e que Sua vontade é boa, mesmo quando é diferente da minha, me dá forças para passar pelas adversidades, pois sei que, mesmo a Providência sendo doce ou amarga, Ele faz com que todas as coisas cooperem para o meu bem.
  • Saber que Deus é Misericordioso me impulsiona a ser misericordiosa no relacionamento com as pessoas ao meu redor.

Por fim, precisamos nos lembrar sempre que as verdades sobre o caráter de Deus e Seus atributos devem ser mais do que meras palavras grifadas em nossa Bíblia. Devem ser verdades incrustadas em nosso coração. Precisamos ser capazes de colocar em prática nosso conhecimento sobre Deus quando estivermos diante das adversidades da vida, sejam elas grandes ou pequenas.

A Trindade

A doutrina da trindade é um tanto complexa, pois ela se propõe a conciliar duas verdades presentes nas Escrituras: a unicidade e a pluralidade de Deus.

De um lado, vemos Deus se revelando aos israelitas como um Deus único e singular, sendo Ele o único Deus digno de louvor e adoração (Dt 6:4, Is 44:6). Nessas passagens, vemos a unicidade de Deus.

De outro lado, vemos, em diversas passagens, Deus falando de si mesmo no plural. Por exemplo, na Criação, Deus disse “façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gn 1:26). João, falando a respeito de Jesus, disse que “no princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” (Jo 1:1-3). No batismo de Jesus, vemos o Filho sendo batizado, o Pai falando “este é o meu filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3:17) e o Espírito descendo sobre ele como uma pomba (Mt 3:16). O próprio Senhor Jesus declarou “quem me vê a mim vê o Pai” (Jo 14:9) e nos ensinou a fazer discípulos, batizando-os “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28:19). Mais tarde, Paulo também nos ensinaria sobre o papel de cada pessoa da Trindade na salvação: o Pai elegendo, o Filho redimindo e o Espírito Santo selando (Ef 1:3-14). Nessas passagens, vemos a pluralidade de Deus.

A doutrina da trindade, então, busca conciliar essas duas verdades afirmando que Deus é Um em essência, e Três em pessoa. A essência de Deus é o que Ele é em si mesmo. Nesse sentido, Deus é um único Ser. Mas dizer que Deus é um ser em três pessoas, significa dizer que Deus existe, simultaneamente, como três papéis ou personalidades – Pai, Filho e Espírito Santo.

Portanto, crer na doutrina da trindade não significa crer em três deuses diferentes, mas sim em um único Deus que é três pessoas em um. Deus é Pai, Filho e Espírito Santo. Eles subsistem em um só ser, em uma só essência, que é divina.

Aplicações práticas da doutrina da Trindade

De que maneira a doutrina da Trindade se aplica em nossa vida prática? Bem, o fato de Deus ser um Deus trino nos mostra um aspecto do seu caráter: ele é um Deus pessoal e relacional. As três pessoas da trindade se relacionam entre si. O Pai, o Filho e o Espírito Santo estão em eterna comunhão. Eles se amam, se exaltam e se adoram mutuamente.

À luz dessa verdade, quando lemos o relato da Criação, vemos que Deus nos fez à Sua imagem e semelhança. Assim, podemos dizer que refletimos a imagem do Deus trino quando nos relacionamoscom Ele e com o próximo.

1. Relacionamento com Deus

Ao contemplarmos o Deus trino – um único Ser composto por três Pessoas em um eterno relacionamento –, aprendemos que Deus valoriza relacionamentos, e não somente isso, Ele também deseja relacionar-se conosco.

Tim Chester nos chama a atenção para o fato de que Deus usa a via do relacionamento para revelar-Se a nós. Ele afirma que não podemos conhecer a Deus através de um mero exercício intelectual, através da lógica ou da razão. Apenas conhecemos a Deus através de um relacionamento com ele, pois Ele é um Deus pessoal.[1]

É surpreendente e maravilhoso notar que o Deus apresentado na Bíblia, diferentemente dos deuses de todas as outras religiões, é um Deus que se permite ser conhecido de maneira íntima e pessoal pelo Seu povo através de um relacionamento. Através de uma vida de oração, podemos ter um relacionamento com Deus e crescer no conhecimento Dele, da mesma maneira como conhecemos um amigo ao passar tempo de qualidade com ele.

2. Relacionamentos com o próximo

Enquanto seres criados à imagem do Deus trino, somos chamados a relacionar-nos uns com os outros. Esse caráter relacional de Deus, bem como sua unicidade e pluralidade se manifestam em nossos relacionamentos como o casamento e a Igreja. 

No casamento, duas pessoas distintas se unem e se tornam uma só carne (Ef 5:31). Wayne Grudem destaca que, assim como as pessoas da Trindade, marido e mulher são iguais em valor e importância, mas diferentes em papéis, expressando, portanto, unicidade e pluralidade.[2]

Outro relacionamento no qual refletimos a imagem do Deus trino é no relacionamento com a Igreja. A Igreja é formada por vários membros que formam um só Corpo (1Co 12:12). Nela, vemos pessoas de todas as tribos, povos e raças, com diferentes dons e talentos, reunidas em sua diversidade. Um lindo reflexo da pluralidade e unicidade do Deus trino.

Conclusão 

Embora sejamos criaturas limitadas em nosso entendimento, podemos conhecer a Deus, pois Ele mesmo decidiu revelar-Se a nós. Ele Se revela através das coisas criadas, da nossa consciência, mas, em especial, através da Sua palavra. Se queremos ter uma visão correta acerca de quem Deus é, precisamos ir às Escrituras, ao invés de nos firmar em nossas próprias concepções.

Necessitamos ter uma compreensão correta acerca de Deus e dos Seus atributos, pois, caso contrário, correremos o risco de criar imagens de Deus à nossa semelhança, que se amoldem aos nossos padrões e preferências, e isso é idolatria.

Conforme buscamos conhecer a Deus, nosso conhecimento sobre Ele, seus atributos e a doutrina da trindade devem transformar a forma como vivemos nossas vidas ordinárias. Devemos viver de maneira a expressar nossa confiança no Deus que é santo, justo, sábio, bondoso, amoroso, eterno, soberano…

Além disso, a compreensão de que Deus é um Deus trino deve nos impelir a conhecê-Lo pessoalmente através de um relacionamento com Ele, e expressar sua pluralidade e unicidade em nossos relacionamentos com o próximo, a fim de que o Pai, o Filho e o Espírito Santo sejam glorificados.

Por Laisa Said

Sugestões de leitura:
  1. Bases da fé cristã – Wayne Grudem
  2. O conhecimento do Santo – A. W. Tozer
  3. Incomparável – Jen Wilkin
  4. Renovadas – Jen Wilkin
  5. O que é a trindade? – R. C. Sproul
  6. Conhecendo o Deus trino – Tim Chester
Para se aprofundar mais:

[1] CHESTER, Tim. Conhecendo o Deus trino: Porque Pai, Filho e Espírito Santo são boas novas. – São José dos Campos, SP: Fiel, 2016. P. 117

[2] GRUDEM, Wayne. Bases da fé cristã: 20 fundamentos que todo cristão precisa entender. – 1. Ed. – Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2018.