Como integrar fé e Trabalho

“E tudo quanto fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai” – Colossenses 3:17

Entender que a nossa vida não deve ser meramente compartimentalizada em sagrado e secular é um passo decisivo para uma visão mais coerente e abrangente da nossa fé. Cada centímetro da nossa jornada deve estar rendido aos pés do Senhor, sem exceção. O trabalho é uma parte importante desse entendimento.

Segundo uma pesquisa divulgada pelo jornal Folha de São Paulo, o brasileiro passa em média 1.737 horas trabalhando por ano, correspondendo a cerca de 20% do tempo total de vida de uma pessoa em um ano. A média de horas trabalhadas em nosso país é mais alta do que a registrada em países como Canadá, Itália e Japão!

Apesar desses números sofrerem grandes variações dependendo do contexto em que se está inserido e o trabalho executado, é inegável que muito do nosso tempo diário gastamos no trabalhando. Sendo o trabalho uma atividade tão comum e que aparentemente nada tem a ver com a vida cristã, será que é possível enxergar e exercer a nossa fé enquanto trabalhamos?

A nossa proposta aqui, querida irmã, é te mostrar que a relação entre fé e trabalho é muito mais do que só afirmar ser cristã para seus superiores e colegas de trabalho, é um convite para despertar para a profunda integralidade entre o que cremos e o que diariamente fazemos.

No princípio, Deus trabalhou: a visão bíblica de trabalho

Diferentemente do que (provavelmente) já escutamos por aí, o trabalho não é uma consequência da Queda, na verdade, ele é bem anterior a ela.

Em Gênesis 1:1 vemos que “No princípio, criou Deus os céus e a terra.”, e o que seria criar senão um ato de trabalho? Enquanto Deus criava ao longo da narrativa de Gênesis 1 e 2 ele estava trabalhando.

Deus exerce sua atividade de intenso trabalho por 6 dias, antes de, no sétimo, descansar.

Esse entendimento de que nosso próprio Senhor exerceu uma atividade criativa de trabalho, já nos faz entender como trabalhar foi importante desde o princípio e não apenas surgiu como consequência do pecado de Adão e Eva.

Também é importante dizer que o Criador não somente cria, mas dá às suas criaturas a capacidade de criar. Quando Deus cria o homem à sua imagem e semelhança, dá a ele a incumbência de “cultivar e guardar” (Gn 2:15)  o jardim que será seu lar.

Logo no início, vemos que Deus chama o homem ao trabalho. O cultivo e a guarda do jardim não seriam feitos automaticamente, Deus escolhe colocar a humanidade para exercer essa função.

Quando entendemos todo esse significado de trabalho que encontramos na narrativa da Criação, trabalhar não deve ser compreendido como uma maldição que nos foi lançada depois da Queda, mas um chamado que configura na responsabilidade primária de adorar a Deus e obedecê-lo, assim como foi para Adão e Eva no princípio.

Não podemos esquecer (é claro) que depois que o homem pecou, o trabalho se tornou árduo e cansativo, cheio de desafios, e mais ligado a sobrevivência do que a obediência e adoração a Deus (Gn 3:17-19). É aí que vemos as consequências do pecado sobre o trabalho e não como algo intrinsecamente ligado a ele. A ideia ruim que muitos de nós sustenta da atividade laboral está inteiramente ligada ao pecado, que afetou a maneira como lidamos e enxergamos as coisas.

O autor Jordan Raynor, em seu livro “Chamados para criar” fala sobre essa compreensão que o mundo tem sobre trabalho enquanto tece uma crítica sobre o estilo de trabalho retratado na série “The Office”, que, segundo ele, parece ser uma caricatura da visão moderna de trabalho dos americanos: “o trabalho é um meio sem sentido para um fim, um contracheque que nos permite aproveitar as coisas que realmente fazem sentido na vida”.

Somos lembrados a cada instante pelo que vemos, ouvimos e fazemos que o trabalho é um peso que se carrega, algo difícil de encontrar satisfação e que se resume na simples necessidade. A visão que a Bíblia nos apresenta, porém, não é assim. O trabalho no Éden é bom, assim como todas as outras coisas criadas por Deus (Gn 1:31).

Como cristãs, cuja mente foi e têm sido renovada pelo entendimento de que em Cristo Deus faz novas todas as coisas, precisamos aprender e viver com uma nova perspectiva sobre o trabalho, deixando de lado a ideia de que ele é essencialmente ruim e enxergando-o como um chamado de Deus.

A dignidade do trabalho

Apesar das dificuldades, do cansaço e da dureza das atividades que exercemos todos os dias, tudo muda quando sabemos que Deus foi quem criou o trabalho e fez isso para que por meio dele ajudássemos a executar Sua vontade na terra.

Você já percebeu como seu trabalho diário é importante para o mundo? Seu trabalho como professora, advogada, médica, vendedora, bancária, jornalista, contadora, empresária, é útil e de alguma forma auxilia a vida de diversas pessoas diariamente, ainda que você não perceba.

Deus, em sua bondade, usa o nosso trabalho para realizar seus feitos nesse mundo e abençoar a sua criação. Ele não precisaria usar. Mas Ele quer.

O trabalho, portanto, é digno, ele é um importante componente da dignidade humana, algo que nos distingue dos animais e de outros seres vivos. Por meio dele nós desenvolvemos as capacidades que Deus nos deu, somos úteis a outros, temos mais satisfação e aprendemos a valorizar os esforços que empreendemos em cada tarefa.

Paulo pontuou essa dignidade que nos confere o trabalho quando afirmou: “se alguém não quer trabalhar, também não coma. Pois, de fato, estamos informados de que, entre vós, há pessoas que andam desordenadamente, não trabalhando; antes, se intrometem na vida alheia. A elas, porém, determinamos e exortamos, no Senhor Jesus Cristo, que, trabalhando tranquilamente, comam o seu próprio pão.” – 2Tessalonicenses 3:10-12

É importante destacar que, apesar de toda essa ênfase que estamos dando no trabalho desenvolvido por nós aqui na terra, também devemos nos atentar para o valor eterno do trabalho. Cada tarefa que executamos importa para Deus, não somente para a nossa vida aqui, mas para a nossa jornada em direção ao céu.

Timothy Keller coloca bem a questão quando diz que “Se o Deus da Bíblia existe, e se existe uma Realidade Verdadeira por detrás e para além desta, e se esta vida não é a única vida, então cada boa obra, até a mais simples, se buscada em resposta ao chamado de Deus, terá significado eterno. É isso que a fé cristã promete”.

O trabalho como boa dádiva: a glória de Deus e o bem comum

Agora que já entendemos que o trabalho é bom, como podemos executá-lo de modo a glorificar a Deus? Existe uma forma de integrar a fé cristã com o nosso trabalho ordinário? Graças a Deus a resposta para as duas perguntas é: sim!

É muito comum que, como cristãos, tenhamos o costume de pensar que, para glorificar a Deus com o nosso trabalho, precisamos desenvolver um trabalho mais nitidamente cristão, como pastores, missionários, cantores ou teólogos. Isso é um tremendo engano porque, como já falamos, todo trabalho é importante para Deus e deve servir para glorificá-lo, não somente os ministeriais.

As respostas para as questões levantadas aqui se tornam nítidas quando olhamos para as Escrituras: “Vivei, acima de tudo, por modo digno do evangelho de Cristo” (Filipenses 1:27); “E tudo quanto fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai” (Colossenses 3:17); “O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Tessalonicenses 5:23).

O esforço que empreendemos no trabalho (e quando fazemos qualquer outra coisa) deve ser para buscar agradar a Deus e viver de modo digno do Evangelho, essencialmente desenvolvendo as nossas tarefas apoiadas nos preceitos bíblicos do que é bom, belo e verdadeiro. Para isso não precisamos trabalhar diretamente com pessoas cristãs ou com atividades ligadas à Igreja ou ao cristianismo, só precisamos estar conscientes de como aquilo que fazemos reflete o que Deus nos chamou para ser.

Também é importante reconhecer que não existe uma única forma de glorificar a Deus no trabalho, é necessário levar diversas questões em consideração quando pensamos sobre o assunto, mas, ainda assim, é importante que tenhamos em mente duas coisas fundamentais:

1) Como o que eu tenho feito reflete o caráter de Cristo?

2) Como isso tem contribuído para o bem do outro?

É muito provável que o trabalho se torne algo que enxergamos apenas para o nosso próprio benefício, porém Tim Keller nos faz entender que “o trabalho só é uma vocação se for em favor de algo acima de nós mesmos”, e, por isso, deve ser executado visando o bem de outros.

A Bíblia nos ensina como a integração entre fé e trabalho acontece na prática, nos oferecendo algumas instruções sobre como proceder como servos, senhores e com os que não compartilham da mesma fé.

Como trabalhadores, somos instruídos em Colossenses 3: 22-24, a obedecer os nossos superiores, procedendo de modo singelo, e executando todas as tarefas como se fosse um trabalho exclusivo para Deus, buscando exercê-las com excelência, como é agradável ao Senhor. Como empregadores, devemos tratar nossos empregados com justiça e equidade, conscientes de que apesar de exercermos uma posição de autoridade na terra, estamos submetidos a uma autoridade superior que habita no céu. (Colossenses 4:1)

Além disso, também somos orientados na maneira de proceder com os que estão de fora. Em Colossenses 4:5-8 Paulo aconselha a nos portar com sabedoria diante dos não crentes, aproveitando as oportunidades para testemunhar do Evangelho. Ele nos instrui a zelar por palavras sábias, de modo a responder com sabedoria a cada um.

Por fim, como cristãos, devemos ser conhecidos como aqueles que entendem o valor de fazer o nosso trabalho da melhor maneira possível, revelando a beleza e a glória do nosso Deus, e investindo tempo em desenvolver projetos cheios de significado e excelência.

Entre todas as pessoas do mundo, somos os mais capacitados para transformar positivamente a realidade, enchendo-a de graça, verdade e amor, contribuindo para o desenvolvimento humano nas verdades da Bíblia e na pessoa de Jesus.

O teólogo Andy Crouch nos ajuda a pensar em nosso trabalho como um desafio de relevância e primazia: “Por que não somos conhecidos como cultivadores – pessoas que cuidam e nutrem o que têm de melhor na cultura humana, que fazem o trabalho difícil e custoso de preservar o melhor daquilo que as pessoas que vieram antes de nós fizeram? Por que não somos conhecidos como criadores – pessoas que ousam pensar e fazer algo que nunca foi feito ou pensado antes, algo que torna o mundo mais aconchegante, emocionante e belo?”

Por Ana Karolina Brito

Referências:

  • Como integrar fé e trabalho? (Timothy Keller)
  • Chamados para criar (Jordan Raynor)