Como o cristão deve lidar com a cultura?

Existem muitas definições de cultura, e uma delas diz respeito à “um conjunto de características específicas de determinado lugar e época”. Essas características estão relacionadas a ideias, costumes, manifestações artísticas, sociais e religiosas. Há também o significado vindo do latim, que quer dizer “cuidar” ou “cultivar”.

Todos nós estamos inseridos e somos influenciados pela cultura. A cultura diz respeito a tudo que o indivíduo produz, e dialoga diretamente com os hábitos, costumes e comportamentos sociais que foram desenvolvidos ao longo da história. Ao passo que somos sugestionados pela cultura, o contrário também ocorre, pois as pessoas têm papel fundamental no desenvolvimento da cultura.  Contudo, nós como cristãos cremos que os seres humanos são caídos, e, por terem a natureza pecaminosa, isso se reflete em suas práticas e ideias. Desta forma, podemos encontrar traços da queda nas diversas culturas espalhadas pelo mundo. (Gênesis 3)

O mandato de Deus ao homem

Deus os abençoou, e lhes disse: “Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra”.
Gênesis 1:28

Na criação, foi estabelecido por Deus três mandatos ao homem: mandato espiritual, mandato social e mandato cultural (Gênesis 1.26-28). Esses mandatos são sobre a relação do homem com Deus, com a família e com a sociedade. Cada um deles tem princípios bíblicos que norteiam o homem a fim de glorificar a Deus. Após a queda, o pecado contaminou o homem e suas relações. Portanto, no que diz respeito ao mandato cultural, o homem o desenvolveu da pior forma possível, cometendo assassinatos, poligamias, bestialidades, escravidão, etc. Todavia, refletindo sobre a narrativa bíblica, de tempos em tempos, Deus levantou pessoas a fim de influenciar a cultura de forma positiva. José foi uma dessas figuras, que mesmo estando numa cultura idólatra, foi usado para salvar o povo da fome e escassez.  

Em relação à posição do cristão a cultura, existem três formas de diálogo: alienação, adequação ou atuação crítica-esperançosa. Além disso, a posição adotada pode refletir a cosmovisão do indivíduo.

Observando o evangelicalismo brasileiro, a posição da maioria esmagadora é a alienação em relação a cultura. Essa alienação se revela no conhecido mercado gospel, em que o crente é persuadido a consumir produtos da cultura evangélica. Esse pensamento vem da linha de raciocínio de Platão, e no contexto da igreja o dualismo se apresenta na separação do que é “sagrado” e “profano”. O sagrado é referente a prática e contexto religioso, e o profano ao ordinário, que não está ligado ao contexto sacro. Porém, essas ideias têm implicações em que o cristão não consegue relacionar a fé ao trabalho, por exemplo. Dessa forma, considera-se que o culto no domingo é cristão, mas o exercício profissional ou estudantil é considerado secular.

Há também contextos em que o cristão age de forma ajustada a cultura, amoldando-se as práticas, ideias e hábitos de forma acrítica. No entanto, a adequação se revela quando não há um senso crítico em relação a cultura, e consequentemente práticas e ideias que são expressamente pecaminosas são normalizadas pelos cristãos. Nos tempos de Nietzsche, o filosofo alemão fez uma afirmação bastante chocante: ‘’Deus está morto!’’. Um dos motivos para tal frase foi o contexto de um povo que anteriormente professava a fé cristã, mas foi dando lugar ao secularismo, tornando sua cultura vazia de Deus. Igualmente isso se repete quando o povo cristão professa sua fé com os lábios, mas suas ações são ateístas.

Posição adequada do cristão em relação à cultura

Entretanto, as Escrituras apresentam textos que discordam das duas posições descritas acima. Referente à alienação, o salmo 24 afirma que ‘’a terra e tudo o que nela há é do Senhor’’. No capítulo primeiro de Colossenses também é destacado o reinado de Cristo sobre todas as coisas criadas. Corroborando com a verdade bíblica, o teólogo holandês Abraham Kuyper afirma quenão há um único centímetro quadrado, em todos os domínios de nossa existência, sobre os quais Cristo, que é soberano sobre tudo, não clame: ‘É meu!’”. Mesmo anteriormente na criação, Deus ordenou ao homem que dominasse sobre a terra. A cultura carrega em si expressões do Criador e podem ser desfrutadas pelos crentes, como dito por Paulo “finalmente, irmãos, tudo o que for verdadeiro, tudo o que for nobre, tudo o que for correto, tudo o que for puro, tudo o que for amável, tudo o que for de boa fama, se houver algo de excelente ou digno de louvor, pensem nessas coisas” (Filipenses 4:8).

Relacionado a adequação a cultura, o apóstolo Paulo na carta aos Romanos afirma “não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”. Por mais que haja traços de graça comum na cultura, ela também foi contaminada pelo pecado.

A atuação na cultura é uma orientação de Deus ao homem. Pensando numa posição mais adequada, acredito que uma participação ativa do cristão seria o mais bíblico, e nessa atuação deve haver o senso crítico em relação aos erros presentes na cultura (Romanos 12:2). Da mesma forma, essa atuação deve ser também esperançosa, pois estabelecendo o mandato cultural de forma bíblica, os valores do Reino vão sendo destacados e o nome de Cristo é glorificado. Lembremos do texto de I Coríntios que diz “assim, quer vocês comam, bebam ou façam qualquer outra coisa, façam tudo para a glória de Deus” (1 Coríntios 10:31).

Como cristãos, devemos sempre ter um olhar analítico, não absorvendo tudo o que cultura atual produz sem passar pelo crivo das Escrituras. Devemos nos lembrar também que o próprio Jesus na oração sacerdotal em João 17 orou ao Pai pedindo para que não nos tirasse do mundo, mas nos livrasse do mal. Desta forma, entendemos que não é possível viver de forma completamente alheia e alienada da cultura. É necessário sermos participantes ativos na cultura fazendo a diferença, mas tendo no coração que fomos chamados para ser o sal da terra e luz do mundo.

Por Sara Reis

Indicações de leitura

  • O senhorio de Cristo – Vern S. Poythress
  • Sabedoria e Prodígios: Graça comum na ciência e na arte – Abraham Kuyper