A vocação da mulher

A vocação da mulher. Esse poderia ser o título de um livro. Na realidade é, um livro que tenho em casa, mas nunca li.

Quando me formei em Teologia, em 2016, a minha monografia foi sobre a identidade da mulher, sob a perspectiva da criação, queda e redenção. Nesse tempo, eu li muito sobre feminilidade, e talvez por isso, eu tenha ficado um pouco cansada do assunto nos últimos anos. Ou, talvez, seja mais por conta dessa polarização que a gente vê, sempre que surge o tema, principalmente, nas redes sociais.

Portanto, tocar nesse assunto não é o tipo de coisa que me sinto apta a fazer, por conta do meu próprio senso crítico quanto ao assunto. Mas, ao mesmo tempo, sinto uma necessidade cada vez mais latente de trazer para fora alguns pensamentos que têm sido construídos em minha mente nos últimos tempos a respeito disso.

Vocação da mulher

Na minha jornada cristã, já passei por diversas fases, crises, questionamentos e mudanças. Hoje vejo em mim os resultados de muitas dessas mudanças, que ainda estão acontecendo. E o que a vocação da mulher tem a ver com tudo isso? Acredito que eu já tenha ido de uma ponta a outra no pêndulo da feminilidade. Há discussões em que hoje prefiro não entrar, mas vocação, geral, de homens e mulheres, sempre foi um tema que me cativou, e de um tempo pra cá tenho pensado na minha própria vocação, enquanto mulher. Tenho pensado naquilo que eu creio que Deus me chamou para realizar dentro e fora do meu lar.
Sim, de fato, eu creio que existe uma vocação divina para a mulher no âmbito social, público, no ensino, na política, na saúde, e em tantas outras áreas. Que cultivar e guardar diz respeito a todos os aspectos da criação e não apenas a um deles. E que se todas as mulheres, permanecessem exclusivamente em casa, o mundo perderia muito com sua ausência.
Tenho pensado também em frases que dizem coisas como: “se o marido pode prover o sustento para a família, é egoísmo a mulher trabalhar fora”. Como se todas as potencialidades da mulher devessem ser voltadas exclusivamente para o lar; não para a igreja, nem para a comunidade ao redor.
Será que não pode haver prazer divino e alegria para a mulher em exercer sua vocação também fora do lar? Será que só existe uma vocação para a mulher? Essa é a pergunta que tenho buscado responder em meu coração.

A mulher e o lar

“As mulheres têm o papel ativo no lar. Essa é uma declaração óbvia. Paulo dá instruções às mulheres mais velhas para que ensinem as mais novas a serem ‘boas donas de casa’ (Tt 2.5). A palavra usada por ele aqui é ‘oikourgous’, literalmente, ‘donas de casa’. Esta é a palavra apoiada pelos melhores manuscritos [bíblicos], e não ‘oikourous’, ‘ficarem em casa’. Quando Paulo afirma que as mulheres devem ser domésticas, imediatamente antes disso, ele menciona o amor por seus maridos e filhos. O amor transforma tudo. Contudo, não me oponho aos que dizem que precisamos de mais mulheres professoras, advogadas e médicas. Precisamos de mulheres que ajudem a salvar os pecadores [dentro e fora do lar].” (Lightfoot)


Há uns anos li o livro “Mulher, cristã e bem-sucedida, de Carolyn McCulley e Nora Shank e gostei bastante, especialmente, porque elas falam sobre a relação da mulher com o trabalho nas diferentes fases da vida. E isso é algo que precisamos considerar, quando falamos sobre a vocação da mulher.

Toda escolha é uma limitação.


Vivemos numa cultura que diz que a mulher pode ser tudo e pode ter tudo, o que não é verdade. Quando casamos nossas prioridades mudam, quando temos filhos elas também mudam, o foco muda e não é somente natural, como, também, necessário que a mulher esteja mais presente no lar, pois esse é um chamado fundamental, e no qual ninguém pode substituí-la.
Contudo, isso não significa que a vocação dela tenha que ser exercida somente no lar. Atualmente, estou relendo com uma amiga o livro “O Evangelho e as chaves de casa”, da Rosaria Butterfield, e tenho refletido bastante sobre o papel na comunidade. De uns anos para cá, tem crescido a ideia de que o papel da mulher está restrito ao lar. Mas, será que é estritamente isso que a Bíblia nos diz?


Por vezes, ser uma boa dona de casa tem sido mal interpretado como uma vida centrada no lar. Quando, na realidade, ser uma boa dona de casa é administrar bem a sua casa e os seus.
Em determinadas épocas, uma boa administração do lar irá exigir um tempo integral em casa, reduzir a jornada ou pensar em novas modalidades de serviço externo, enfim, reinventar-se.
Em outras, uma boa administração do lar irá exigir que você tenha ajuda em casa para dar mais atenção a outras coisas. Isso não é um problema, desde que sejamos boas administradoras do nosso lar.
O que o autor, citado acima, destaca, é uma chamada de atenção que precisa ser considerada. O ponto em questão não é “ficar em casa” (oikourous), e sim, ser uma boa “dona de casa” (oikourgous); e nesse ponto, essa espada de dois gumes fere ambos os lados. Entenda o porquê:
Eu posso ficar em casa integralmente e, ainda assim, não ser uma boa dona de casa, não administrar o meu lar expressando amor ao meu marido e filhos. E eu posso também ser uma boa dona de casa, isto é, administrar o meu lar de forma amorosa, trabalhando fora de casa (respeitando fases e prioridades).

Resumindo, nós, esposas, somos orientadas pela Palavra a sermos boas donas de casa, amarmos o nosso marido e os nossos filhos, cuidando do bom andamento da nossa casa. Paulo não entra em detalhes sobre como isso deve acontecer, devemos fazer bom uso da sabedoria bíblica para tanto.
Ao invés de correr, imediatamente, atrás de aplicações, precisamos, antes, buscar os princípios. Eu sei que isso é bastante desafiador, pois gostamos das respostas prontas, gostamos das generalizações, dos nossos grupos, de boa encaixar nisto ou naquilo. Mas a sabedoria bíblica consiste na aplicação do conhecimento à prática. É olhar honestamente para a Bíblia, olhar para a sua realidade e refletir sobre como adequar a sua vida à Bíblia, e não o contrário. É mais fácil viver sob uma regra do que sob um princípio, pois a regra te limita em algo, já o princípio te norteia.

Glorificando a Deus em todas as circunstâncias

Quando parece que você finalmente entendeu, vem um texto que te faz pensar que você não entendeu nada, e que você está caminhando na direção errada. E então, entramos nesse ciclo interminável de “será que estou fazendo a coisa certa?”
O problema de viver atrás de regras é que isso vai nos minando, porque ninguém consegue se encaixar em todas as regras, nem deveria.

O Evangelho nos liberta dessa busca frenética por se encaixar em cada regra que aparece diante de nós, ou de concordar com todas as opiniões que chegam até nós.
Mulher, qual é a sua realidade hoje? Você não trabalha fora de casa porque compreende que sua prioridade é estar no lar? Ótimo, seja diligente no seu trabalho, faça conforme as tuas forças e glorifique a Deus nisso.
Você trabalha fora do lar porque sua realidade exige isso? Ou porque você consegue conciliar seu papel dentro e fora do lar, de modo que glorifique a Deus? Graças a Deus por isso. Seja diligente e glorifique-O nessa condição.
Precisamos viver conforme a realidade e as possibilidades que o Senhor está colocando diante de nós, hoje.
Pode ser que amanhã as coisas sejam diferentes, não sabemos o que o amanhã reserva para nós.
A mulher que trabalha no lar pode acabar trabalhando fora e a que trabalha fora, acabar trabalhando integralmente no lar. Não sabemos. Mas, o que sabemos é que em todas as circunstâncias precisamos glorificar a Deus.

O problema é que, muitas vezes, nós queremos usar a nossa experiência para medir outras realidades, e isso é errado, pois a régua jamais deve ser nossa própria experiência (particular), e sim os princípios e ordenanças que a Escritura nos apresenta (geral), que nos trazem liberdades e também restrições.
Recentemente, li a biografia de Susanna Wesley. Essa mulher piedosa, em dado momento da vida, precisou cuidar sozinha dos filhos porque o marido a abandonou. Ela deu tudo de si para prover o sustento de seus filhos e nisso ela glorificou a Deus.
Irmãs, nossas vidas são mais do que regras, são histórias; histórias vivas, que se desenrolam, histórias de pessoas reais, que estão aprendendo e buscando aplicar a verdade frente às diferentes dinâmicas que a vida apresenta.
Além disso, Deus tem um tempo para cada pessoa e, ao longo da caminhada cristã, nós vamos aprendendo.
Talvez o outro já esteja aprendendo coisas que eu ainda vou aprender, coisas que eu ainda vou entender, e eu não preciso me sentir culpada ou menor por isso.
Não preciso correr para ultrapassar ou acompanhar ele. Não! Eu tenho que correr no ritmo que sou capaz de seguir até o final.
E sabe qual é o melhor nisso tudo? É que, como diz Paulo, lá em Efésios 4:13-15, no fim das contas, todos nós chegaremos à mesma estatura de varão perfeito. Uns vão demorar mais, outros menos, mas todos chegarão.
Mas, a forma, ou caminhos pelos quais chegaremos será diferente para cada uma de nós. E isso deve ser um consolo, não uma inquietação.

Fugindo das comparações


Para mim, um dos textos mais belos da Escritura, está em Romanos 12:3-8:
“Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada um (…)”
Paulo enfatiza que cada um recebeu da parte de Deus um dom e deve servir conforme o dom que recebeu. Aqui não estamos falando de questões de doutrina, que são absolutas e inquestionáveis, e sim de como devemos servir, a partir daquilo que recebemos da parte de Deus.
Portanto, não devemos pautar as nossas vidas e escolhas nas escolhas de outras pessoas. Não precisamos nos sentir culpadas ou julgadas pela vida que outras mulheres estão vivendo. Cada uma tem da parte de Deus a sua porção. O que precisamos é administrar os recursos que Deus deu a cada uma da melhor forma possível.


Se sua vida for uma busca por igualar o seu “um talento” aos cinco talentos que outra mulher recebeu, ou o contrário, você estará sendo infiel e ingrata por aquilo que Deus te deu hoje. Sempre achamos que a nossa vida “será melhor quando…”, mas de todos os lados, dentro ou fora do lar, há mulheres infelizes por não estarem onde gostariam de estar. Tentar ser uma cópia de outras realidades é negar a obra e o processo de Deus em cada uma de nós.
Nós precisamos aprender a respeitar as singularidades umas das outras, sem que elas soem ameaçadoras para nós. Precisamos aprender a lidar com a diversidade de pensamentos e realidades dentro do mesmo Corpo.

Singularidade


Imagine que diante de Deus sejamos como flores. Nessa condição, precisamos cumprir nosso papel geral, uma recusa em fazer isso seria uma desonra ao Criador. Contudo, é fato que as flores não são todas iguais e não se desenvolvem sob as mesmas circunstâncias. Há flores que brotam nas campinas, outras que brotam nos desertos, outras dentre as rochas, cada uma delas com sua singularidade.
São flores e Deus não despreza nenhuma delas. Ele as chama a florescer onde quer que estejam plantadas.
O favor de Deus para as mulheres não se encontra somente em um lugar. O trabalho da mulher se torna frutífero, não pela função que exerce, mas pela submissão obediente à vontade de Deus em meios às circunstâncias que ela se encontra.

O sentido último da nossa vocação


Deus chama diferentes mulheres para atuarem em diferentes esferas, não precisamos abraçar o discurso de nós contra elas, ou menosprezar o serviço umas das outras.
O mundo nos diz que determinados trabalhos são mais importantes do que outros, mas a Bíblia nos mostra que, como membros do mesmo corpo, embora, nossas tarefas possam ser diferentes, todas são importantes para os propósitos de Deus. Somos todas cooperadoras nessa missão.
O mundo põe diante de nós um padrão, por um lado, precisamos mostrar resultados, trabalhar freneticamente, “trabalhar enquanto eles dormem”, deixando em segundo plano nossas famílias e igrejas.
Por outro, ele nos apresenta uma maternidade idealizada; impecável, a mãe que nunca descansa; a mãe que vive para os filhos, faz tudo, mas não tem tempo, sequer de se alegrar com o seu trabalho; a mãe que só é mãe, e há tempos deixou de ser esposa. Ela está cumprindo seu papel de maternidade, mas será que está agradando a Deus? Ou apenas alimentando (mais) um ídolo?
Para nós, cristãos, o trabalho é mais do que mero ativismo, é mais do que casa limpa e metas cumpridas no final do dia, é a forma como nós oferecemos a Deus em adoração. Nosso trabalho não tem um fim em si mesmo e não é para benefício próprio, mas serviço, dentro ou fora do lar.
Trabalho, minhas irmãs, é adoração, mas a quem adoramos quando trabalhamos? A nós mesmas? Aos nossos filhos? Lares? Salários? Empresas? Aos nossos sonhos? Estabilidade financeira? Status? Realização pessoal?
Como eu disse no início, eu realmente acredito que há propósito divino no trabalho da mulher, dentro e fora do lar.
Ao falar sobre a vocação da mulher, minha intenção não é te desencorajar, confundir ou desprezar, mas trazer uma reflexão. Nós precisamos refletir biblicamente e não baseadas em categorias pré-estabelecidas.
Que mais do que regras, nossa vida seja norteada por princípios, levando em conta nossas realidades e as necessidades daqueles que amamos e devemos servir.

No livro já citado, Carolyn McCulley escreve algo no qual precisamos refletir:

“Nossa cultura acredita que somos pessoas criadas por aí mesmas e que podemos alcançar qualquer coisa que quisermos. Mas a Bíblia enfatiza, repetidas vezes, que somos meros receptores da graça. Como, então, medir o sucesso? Devemos pensar como receptores que um dia prestarão contas de como gerenciamos aquilo que nos foi dado. Podemos ser esposas ou mães, mas, por mais importantes que sejam essas condições, são papéis que terminam nessa vida. Continuamos por toda a eternidade como filhas de Deus e irmãs daqueles que foram resgatados por Cristo. Podemos trabalhar em profissões altamente consideradas ou nem mesmo receber pagamento por nosso labor diário. Esses papéis também não são a nossa identidade; são apenas oportunidades que devem ser investidas para a glória de Deus.”

Não perca de vista a sua vocação eterna e use o seu chamado para servir aqueles que estão ao seu redor.
Deus nos chama Ezer, aquela que socorre, pense nisso.
Que o Senhor nos ajude a empenhar nossos esforços dentro das esferas para as quais Ele tem nos chamado.
No Amor de Cristo, Prisca Lessa