A sabedoria como uma Pessoa – O Evangelho nos livros sapienciais e poéticos

Se olharmos para a história, observaremos que os homens sempre buscaram respostas para as inquietações da sua alma. Perguntas como: “Qual é o sentido da vida?”, “Por que existimos?”, “Por que morremos?”, “Por que pessoas boas sofrem?”, “Por que a chuva cai sobre o justo e o injusto?” são perguntas que afligem a nossa alma. Muitos filósofos, ao longo da história, tentaram responder a esses questionamentos, mas sem sucesso. Nem mesmo o homem mais sábio da terra conseguiu dar respostas satisfatórias o suficiente. Isso nos mostra que a sabedoria humana, por si só, é incapaz de iluminar os caminhos obscuros da nossa alma.

Os livros sapienciais e poéticos da Bíblia nos ajudam a entender um pouco melhor como o mundo funciona e nos auxiliam a tomar decisões corretas, entender os sofrimentos da vida, lidar com nossas emoções e com o desejo de sermos amados. Mas, por fim, estes livros são apenas um lembrete do quão limitada e insuficiente é a sabedoria humana, nos apontando para a necessidade de uma Sabedoria mais profunda e satisfatória. 

Nessa série de textos, estamos olhando para a metanarrativa bíblica, ou seja, a história da redenção narrada de Gênesis a Apocalipse. À primeira vista, pode parecer difícil entender como os livros sapienciais e poéticos se relacionam com o restante das Escrituras. Eles parecem estar ali de maneira simplesmente aleatória. Mas precisamos lembrar que todas as páginas do Antigo e do Novo Testamento proclamam a Cristo. Ele mesmo disse que toda a Escritura é sobre ele, passando pela Lei de Moisés, pelos Salmos e pelos Profetas (Lc 24:27,44). 

Nesse sentido, Nancy Guthrie afirma que “os livros sapienciais fornecem imagens da necessidade da vinda de Cristo para resolver todas as coisas, através do problema de Jó com o sofrimento, dos lamentos e desejos do Salmista e dos anseios insatisfeitos dos cânticos de Salomão”¹. De fato, veremos a seguir que a leitura dos livros de Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes e Cantares nos apontam para a necessidade urgente de um Salvador. 

Os livros sapienciais: Provérbios, Eclesiastes e Jó

Provérbios

O livro de Provérbios nos apresenta dois caminhos: o caminho da sabedoria, que conduz à vida e à prosperidade; e o caminho da loucura, que leva à destruição e à miséria. Em poucas palavras, a sabedoria no livro de Provérbios se resume ao chamado princípio da retribuição. Esse princípio diz que aqueles que seguem o caminho da sabedoria serão recompensados com o bem, enquanto aqueles que seguem o caminho da loucura serão retribuídos com o mal.

Aqui, encontramos o primeiro obstáculo que a sabedoria humana não consegue ultrapassar. De acordo com o princípio da retribuição, todos os justos deveriam viver uma vida perfeitamente próspera e abençoada, enquanto apenas os ímpios deveriam sofrer. Acontece que, na prática, sabemos que nem sempre é assim. Na realidade, muitos ímpios prosperam e muitos justos sofrem.

No entanto, a insuficiência do princípio da retribuição não invalida os ensinamentos de Provérbios. Eles são muito proveitosos para nos ajudar a tomar decisões sábias no dia-a-dia. Além disso, é um ensino especialmente válido nos dias de hoje, tendo em vista que, numa sociedade que prega que “tudo é relativo” e não existem absolutos, Provérbios nos ensina que existem apenas dois caminhos a serem seguidos: o da sabedoria e o da loucura. O bem e o mal. A verdade e a mentira. Não há um caminho “alternativo” entre eles.

Por fim, Provérbios nos recomenda seguir o caminho da sabedoria, cujo princípio é o temor do Senhor (Pv 1:7)Mas, como dissemos, temer o Senhor e agir corretamente não é a garantia de uma vida livre de sofrimentos. Assim, devemos ter em mente que o princípio da retribuição, que permeia o livro de Provérbios, é limitado, pois não é capaz de explicar todas as situações da vida.

Eclesiastes

O livro de Eclesiastes, por sua vez, logo percebe a limitação do princípio da retribuição. O autor observa que, nem sempre, na vida, os justos são retribuídos com o bem e, os ímpios, com o mal. Ele diz: “todos partilham um destino comum: o justo e o ímpio, o bom e o mau, o puro e o impuro, o que oferece sacrifícios e o que não oferece. O que acontece com o homem bom, acontece com o pecador (…) O destino de todos é o mesmo (…) por fim eles se juntarão aos mortos” (Ec 9:2-3). 

A partir dessa constatação, ele conclui que tudo é vaidade. A palavra hebraica hevel, que aparece 38 vezes no livro de Eclesiastes, é traduzida, na maioria das versões em português, como “vaidade”. Mas o seu significado literal é “vapor” ou “fumaça”. O que o autor está dizendo é que a vida não passa de um vapor, e que nós não estamos no controle dela. Podemos gastar nossas vidas correndo atrás de dinheiro, poder, prazeres, realização profissional, conjugal, etc., mas nada disso terá valor algum, pois tudo é hevel e, como vapor, irá se dissipar. 

O autor de Eclesiastes, por fim, conclui que a vida não faz sentido à parte de Deus. Nada nesse mundo é suficiente para nos satisfazer a não ser abraçar as circunstâncias, sejam elas boas ou ruins, conforme foram determinadas pelo Criador. Assim, ele termina dizendo: “De tudo o que se tem ouvido, o fim é: Teme a Deus, e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo o homem” (Ec 12:13). 

O livro de Jó encerra a tríade dos livros sapienciais com chave de ouro. Ele nos dá a resposta para todos os questionamentos ainda não respondidos em Provérbios e Eclesiastes. 

Os primeiros capítulos de Jó deixam claro que Jó era um homem íntegro, que escolheu o caminho da sabedoria, como aquele apresentado em Provérbios. No entanto, apesar da sua integridade, Jó não tem uma vida livre de sofrimentos. Pelo contrário, Jó passou por muitas tribulações.

Durante o livro, somos apresentados aos amigos de Jó, que se firmavam meramente no princípio da retribuição. Eles pensavam que o motivo pelo qual Jó estava sofrendo era que ele estava sendo castigado por algum pecado que cometeu. Porém, vemos que esse não era o caso. O próprio Deus reconheceu que seu servo Jó era um homem justo. Jó sabia que era inocente, e, por isso, não conseguia entender o motivo do seu sofrimento. Ele passa grande parte do livro perguntando a Deus o porquê de ele estar passando por tudo aquilo.

A resposta de Deus, no capítulo 38, é surpreendente. Deus não dá uma explicação para Jó. O que Ele faz, ao invés disso, é mostrar-lhe toda a Sua grandeza, poder, majestade, e domínio sobre o Universo. A resposta de Deus a Jó, em poucas palavras é: “Eu sou Soberano, submeta-se a mim”. E isso é exatamente o que Jó faz. Jó reconhece sua pequenez diante de Deus, seu lugar de criatura submissa ao Criador.

Essa é a sabedoria que o livro de Jó nos apresenta: não precisamos entender o motivo pelos quais coisas boas e ruins acontecem nessa vida. Precisamos apenas reconhecer que não estamos no controle das circunstâncias – Deus está. Ele é soberano e podemos confiar que a Sua vontade é melhor do que a nossa. Essa verdade é a resposta final para todos os nossos questionamentos.

O temor do Senhor: O princípio da sabedoria 

Vimos, então, que o livro de Provérbios nos ensina que existe o caminho do bem e o caminho do mal, e nos aconselha a viver de acordo com o bem, a sabedoria e a verdade, para que tenhamos uma vida feliz. Por sua vez, o livro de Eclesiastes nos ensina que é inútil tentar estar no controle da vida, pois, ainda que escolhamos o caminho da justiça, ele não leva, necessariamente, a uma vida isenta de sofrimentos; nem o caminho da impiedade resulta sempre em fracasso (pelo menos, não nessa vida). Já o livro de Jó nos ensina que, de fato, a sabedoria não se resume a uma simples fórmula como: “faça isso e você receberá aquilo”. Jó reconhece que não estamos no controle da vida, Deus está, e esse é um grande consolo pois Deus é totalmente confiável.

Por fim, ao observarmos esses livros, percebemos que existe um ponto em comum entre eles: todos concluem que o temor do Senhor é o princípio da sabedoria (Pv 1:7; Ec 12:13; Jó 28:28).

Mark J. Boda diz que este é o ponto crucial para entendermos de que maneira os livros sapienciais se conectam com o restante das Escrituras. Ele diz que este ‘temor do Senhor’ é também mencionado no Pentateuco, se referindo à forma como o povo escolhido de Deus deveria responder à aliança: temendo ao Senhor. Esse temor é uma resposta de obediência, amor e louvor a Deus, por quem Ele é e pelo que Ele fez (Dt 10:12,20).

Assim, o ‘temor do Senhor’ é um termo da aliança, um termo relacional, que significa a resposta dos israelitas à graça de Deus exibida na salvação. Dessa forma, podemos enxergar de que maneira os livros sapienciais se conectam com o restante da Escritura: a sabedoria – alcançada mediante o temor do Senhor – é a resposta do povo de Deus à Sua aliança. Ela é a responsável por trazer os princípios da aliança para todas as áreas da vida.²

A sabedoria como uma Pessoa

Mas os livros sapienciais não apenas nos remetem à história da aliança narrada no pentateuco e nos livros históricos. Eles também nos fazem olhar adiante, para Cristo, pois nele habita toda a plenitude do ser de Deus, inclusive, Sua suprema sabedoria.

Nesse sentido, o apóstolo Paulo afirma aos coríntios que: “para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é o poder de Deus e a sabedoria de Deus.” (1Co 1:24). Em última análise, os livros sapienciais nos apontam para a sabedoria de Deus personificada em Cristo.

Além disso, na pessoa de Jó, vemos um nítido retrato do Messias. Jó foi um justo servo de Deus, que padeceu e abraçou o sofrimento em submissão à vontade soberana do Criador. Mais tarde, os profetas descreveriam a Cristo como sendo um Servo Sofredor (Is 53). Por fim, nos Evangelhos, veríamos o filho de Deus no Getsêmani, após viver uma vida perfeita, com o peso dos nossos pecados sobre seus ombros e, ainda assim, dizendo: “não seja feita a minha vontade, mas a tua”, em total submissão à soberania do Pai (Lc 22:42).

Os livros sapienciais, assim como toda a Escritura, contam uma única história: a história de Deus escolhendo para si um povo e o redimindo, por intermédio de Cristo. Afinal, Ele é a própria personificação da Sabedoria de Deus. 

Os livros poéticos: Salmos e Cantares

Salmos

A palavra “salmos” vem de uma palavra grega que significa “tocar instrumentos ou músicas”. Basicamente, “salmos” significa louvores. Este livro da Bíblia é uma grande coletânea de hinos. Ele nos ensina que a resposta humana aos feitos e atributos de Deus deve ser o entoar constante de louvor e adoração a Ele. 

Além disso, o livro de Salmos também fala muito sobre o contraste entre o caminho dos justos e o caminho dos ímpios. Assim como os livros de sabedoria, ele nos incentiva a seguir o caminho dos justos, vivendo em obediência a Deus e guardando seus mandamentos. Da mesma forma que Eclesiastes e Jó, os salmistas também reconhecem que os ímpios, eventualmente, prosperam nessa vida, e os justos passam por grandes tribulações. Mas eles sabem que Deus é um justo juiz e retribuirá a cada um conforme suas obras na Eternidade. 

No entanto, essa constatação frequente no livro de Salmos de que Deus castiga os ímpios e recompensa os justos nos faz lembrar o quão incapazes nós somos de viver uma vida de perfeita obediência. O próprio rei Davi, que compôs um grande número de salmos, não viveu uma vida perfeita.

Dessa forma, vemos como os Salmos nos apontam para a urgente necessidade de um Salvador. Eles nos apontam para Cristo, aquele que viria para viver a vida perfeita e satisfazer a justiça de Deus, tomando sobre si o castigo devido a nós, pecadores – que escolhemos trilhar o caminho da impiedade – para que possamos, assim, receber a recompensa por sua perfeita obediência.

Cantares de Salomão

Enquanto o livro de Salmos é uma coletânea de poesias escritas para Deus, o livro de Cantares é uma coletânea de poesias trocadas entre dois cônjuges. Neste livro, vemos uma longa troca de elogios entre um esposo e sua esposa. Ambos declaram seu amor e desejo um pelo outro, de maneira recíproca. 

O livro de Cantares é uma celebração ao casamento e à intimidade conjugal. É uma declaração de que o propósito de Deus para o casamento é bom, e que a intimidade sexual, quando desfrutada no contexto do casamento, é santa. 

Este livro da Bíblia revela o quanto nossa sexualidade é importante para Deus. Juli Slattery afirma que “Deus criou intencionalmente a nossa sexualidade como uma poderosa metáfora para o seu amor pactual”³. Essa é uma grande verdade. Em todo o Antigo Testamento, vemos Deus se referindo a Israel como sua esposa, e se apresentando a ela como seu marido (Ez 16:8, Is 54:5, 62:4-5, Os 2:19-20). Por isso, o pecado da idolatria era, constantemente, comparado ao adultério.

Já no Novo Testamento, a mesma figura do casamento é utilizada para se referir ao relacionamento entre Cristo e a Igreja (Ef 5:27, Ap 7:14). O Pai escolheu uma noiva para dar ao seu Filho, e a está purificando e adornando para entregá-la a Ele. Cada cerimônia de casamento que participamos nessa terra é apenas um pequeno e distorcido vislumbre do grande dia que está por vir – o dia das bodas do Cordeiro. 

Também é interessante notar que a palavra hebraica utilizada para expressar intimidade sexual entre marido e esposa, no Antigo Testamento, é a palavra yada. Yada significa “conhecer profundamente ou intimamente”. Essa mesma palavra também aparece diversas vezes na Bíblia para descrever um relacionamento de intimidade com Deus (Sl 139:1, Pv 3:6, Ex 33:13). 

Assim, podemos concluir que o relacionamento mais íntimo que os humanos podem ter entre si – o sexo – aponta para o relacionamento mais íntimo e mais satisfatório que podemos ter: o relacionamento com Deus. Este é o único relacionamento capaz de satisfazer, por completo, o anseio das nossas almas; de maneira que nenhum relacionamento humano é capaz de fazer.

Por fim, o livro de Cantares nos ajuda a ter uma visão correta sobre o casamento, à luz do amor pactual de Deus. Essa visão nos ensina que nossos casamentos terrenos devem ser um pequeno, mas fiel reflexo da beleza do casamento entre Cristo e a Igreja.

Conclusão

Os livros sapienciais refletem a incansável busca do homem por conhecimento e sabedoria, a fim de obter respostas para as indagações e inquietações da sua alma. Já os livros poéticos revelam o profundo desejo do nosso coração de amarmos e sermos amados. Todos esses anseios insatisfeitos da nossa alma revelam que o nosso ser clama por algo maior e mais satisfatório do que a sabedoria e os relacionamentos desse mundo são capazes de oferecer. 

De Provérbios a Cantares, vemos o homem em sua sede por algo que possa dar sentido à sua existência. Mas nada é suficiente, a não ser a beleza de Deus, revelada em Cristo. Nele, todos os nossos questionamentos são respondidos, e todos os nossos anseios, satisfeitos.

Por Laisa Said

Referências:

¹ GUTHRIE, Nancy. The Wisdom of God: Seeing Jesus in the Psalms and Wisdom Books Leader’s Guide. Crossway, Illinois: 2012. p. 16 (Tradução livre).

² BODA, Mark J. The Delight of Wisdom. Disponível em <https://www.thegospelcoalition.org/themelios/article/the-delight-of-wisdom/> Acesso em: 15 ago. 2022 (Tradução livre).

³ SLATTERY, Juli. O “porquê” de toda pergunta sobre sexualidade. Disponível em: <https://teologiaparamulheres.wordpress.com/2022/08/12/o-porque-de-toda-pergunta-sobre-sexualidade/> Acesso em: 22 ago. 2022