A linhagem imperfeita de um Rei perfeito – O Evangelho nos livros históricos

A Bíblia forma uma unidade perfeita de histórias maravilhosas e redentivas, isto porque toda a narrativa apresentada nas Escrituras aponta para o senhorio de Cristo, sua obra e sua mensagem.

Se você tem nos acompanhado aqui no blog, já percebeu que o que temos tentado mostrar, nos últimos textos publicados, é que a Bíblia inteira proclama o Evangelho de Cristo. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, ele não é anunciado somente a partir das páginas do Novo Testamento. Existe um plano de salvação relevado desde o início, no livro de Gênesis. O entendimento disso é fundamental para que o nosso conhecimento bíblico não seja de que cada história narrada é um fato isolado, mas, parte de um todo.

Assim como Gênesis e os outros 4 primeiros livros do Antigo Testamento, os livros históricos da Bíblia – que narram a história de Israel desde a conquista de Canaã até o exílio e o regresso do povo – também nos apresentam um panorama da redenção, retratando bem o propósito de Deus para o resgate, salvação e restauração completa dos seus filhos. Desde Josué, passando por Juízes, Rute, 1° e 2° Samuel, 1° e 2° Reis, 1° e 2° Crônicas, Esdras, Neemias e Ester, Deus escreve seu plano, e nós somos convidados a perceber que existe uma realidade superior nessa história, vislumbrada à luz da obra redentora de Jesus.

Vivendo na promessa

Após a longa peregrinação dos israelitas pelo deserto, o povo finalmente chega na terra que Deus os havia prometido. Liderados agora por Josué, eles se preparam para entrar em Canaã conforme a orientação do Senhor.

Desde o início da conquista até o estabelecimento das tribos de Israel no novo território, Deus atua provendo instrumentos, pessoas e circunstâncias favoráveis para que o povo ocupe definitivamente a terra herdada.

O livro de Josué registra esses fatos e nos confere um lindo retrato da fidelidade de Deus ao cumprir sua promessa, zelando pela aliança estabelecida com Abraão e sua família (Gn 12: 1-3) na qual pretende, por meio dela, restaurar seu relacionamento com o homem, brutalmente atingido pela Queda, e fazer dele seu povo. Por meio da promessa, a descendência de Abraão agora poderá desfrutar das bênçãos concedidas pelo Senhor e viver na farta terra preparada para ela.

Apesar da grandiosidade da promessa, a aliança estabelecida com os israelitas é, na verdade, apenas uma sombra da realidade futura e superior que em Jesus há de ser revelada (Cl 2:17). Cristo Jesus, como parte do plano de Deus anunciado desde o Gênesis (Gn 3:15), viria como descendente direto do povo hebreu, como parte dessa aliança inicial, para selar conosco um compromisso gracioso de salvação eterna (Hb 9:15).

Nesses relatos bíblicos iniciais, expressos no livro de Josué sobre a história de Israel, vemos o povo vivendo a tão esperada realidade da promessa, firmada na aliança com Abraão, de habitar na terra prometida. A nova aliança, porém, nos garante uma estadia eterna em um lugar muito superior às bênçãos e farturas de Canaã.

A nossa terra já foi conquistada por meio do sacrifício de Jesus na cruz. Devemos nos ocupar agora em nos preparar para adentrar os portões gloriosos da Canaã Celestial.

O governo dos homens sob o governo de Deus

Logo no início de seu estabelecimento em Canaã, os israelitas já contavam com uma organização territorial entre as tribos bem definida, porém, a estrutura social ainda não era estável e eles não dispunham de uma sociedade politicamente bem resolvida.

Após a morte de Josué, uma nova geração surge. De acordo com a narrativa bíblica, os que os sucederam não conheciam o Senhor e nem seus feitos em favor de Israel (Jz 2:19). O povo então, acaba se submetendo a sucessivas derrotas de inimigos, o que resulta em dificuldades de expulsar os povos de seus territórios e consequentemente acaba permitindo que comecem a habitar entre eles.

Essa convivência é extremamente danosa para Israel e acaba acarretando em um nítido desvio dos padrões morais estabelecidos por Deus. Como consequência de seu mau procedimento, o Senhor permite que o povo viva em grande angústia.

No entanto, Deus os alcança com sua misericórdia e levanta juízes para livrar o povo da opressão sofrida por meio de seus inimigos. Porém, por repetidas vezes o povo peca contra o Senhor e se prostitui idolatrando os deuses pagãos.

Os episódios de sofrimento e livramento da parte de Deus são frequentemente observados ao longo de todo o livro de Juízes. O texto menciona ao todo 12 juízes, responsáveis por julgar e liderar o povo, que atuam como agentes do Senhor sendo usados para manifestar sua bondade e misericórdia por Israel. É importante ressaltar que nem todos eles tiveram o mesmo nível de êxito na missão, revelando as falhas do coração humano e sua incapacidade de estabelecer uma liderança livre de erros.

Diferentemente do governo humano, a soberania e perfeição do governo divino revelam que podemos (e devemos) confiar no juízo de Deus. A verdade é que nos juízes só podíamos ver uma pequena parte da obra do Senhor, que se apresenta de modo supremo por meio da figura de Cristo (2 Tm 4:1;8).

Bom é saber que assim como Deus providenciou repetidas vezes resgate a Israel, por meio de homens designados por sua vontade, Ele proveu, de uma vez por todas, Seu único Filho para nos conduzir à salvação e nos livrar da opressão do pecado. Apenas Um foi suficiente para livrar-nos do jugo da morte e promover completa restauração. 

A linhagem imperfeita de um Rei perfeito

Dando prosseguimento à história do povo de Israel, o livro de 1° Samuel registra o momento em que o povo começa a rejeitar o governo dos juízes, e a exigir que um homem seja coroado como rei. Apesar de Deus não concordar com o estabelecimento de um reinado, já que a atitude de Israel em pedir um governante revelava sua rejeição ao governo soberano de Deus sobre seu povo, Ele orienta Samuel a ungir Saul como rei.

Como prova da bondade de Deus, o início do reinado de Saul confere algumas vitórias a Israel, e o Espírito do Senhor opera de modo extraordinário por meio dele. Porém, motivado sobretudo pelo orgulho, o novo rei age conforme sua própria vontade e rejeita a orientação divina.

Incapaz de reconhecer verdadeiramente seus atos pecaminosos, Saul é rejeitado por Deus como rei de Israel (1Sm 15:26) e Davi é escolhido em seu lugar. Assim, o jovem ruivo, de boa aparência e olhos bonitos (1Sm 16:12) é ungido como rei.

Em Davi, é iniciado o plano de estabelecimento de um governo monárquico e politicamente organizado no território israelita, com o propósito de unificação do povo e fortalecimento de seu domínio sobre outras nações. Conforme a vontade de Deus, o novo reinado marca significativamente a linhagem imperfeita do Rei perfeito.

Descendente direto do rei Davi, Jesus representa a instituição de um reinado eterno, unificado e perfeito, reunindo em seu governo povos de todas as línguas, tribos e nações (Ap 7:9). Por meio da nomeação de Davi, Deus anunciava a seu povo que, em breve, chegaria o rei que governaria todos com suprema autoridade, sabedoria, bondade e justiça.

Além disso, o governo de Davi, apesar de proporcionar vitórias e grandes desenvolvimentos pra Israel, assim como nos governos de reis que vieram posteriormente, a exemplo de Salomão e Josias, não foi livre de falhas. Em diversos momentos na história somos surpreendidos pelas ações advindas de um coração pecaminoso. O adultério de Davi com Bate-Seba, por exemplo, é só mais uma demonstração disso.

Felizmente, temos em Cristo o Rei perfeito, que governa sobre cada imperfeição do coração humano e nos promete um reinado próspero e eterno ao lado Dele. Como povo seu, podemos olhar com confiança para o nosso futuro lar, tendo a certeza de que ele foi preparado e é regido por aquele que a tudo governa.

Um chamado à liberdade: à espera da salvação

Como fruto da desobediência humana, que culminou em uma má administração do reino, o que foi unificado em Davi e fortalecido em Salomão acaba desmoronando e resultando na divisão de Israel em dois reinos, do norte e do sul. Além da progressiva falência sócio-política, o povo também enfrenta uma constante decadência espiritual.

Após a morte de Josias, Judá e Jerusalém sofrem uma série de invasões dos babilônios. Por volta de 586 a.C, o reino do sul é desfeito, Jerusalém é saqueada, o templo é destruído e parte do povo é levado para o exílio na Babilônia.

Encontramos em Esdras, Neemias e Ester relatos marcantes, doloridos, porém cheios de esperança da história do povo de Israel. As linhas desses livros estão cheias de recomeços e promessas de restauração.

Com a conquista da Babilônia (por volta de 539 a.C) pelo império Persa, os israelitas são autorizados a regressar para suas terras e reconstruí-las. Dessa forma, eles constroem novamente altares e voltam a oferecer sacrifícios a Deus.

Nesse período, três figuras importantes aparecem como instrumento de Deus para comunicar o favor do Senhor por Israel, que faz com que tudo caminhe para a restauração do povo e restruturação de uma sociedade devastada e dividida. Uma delas é Esdras, sacerdote e escriba que recebe a missão de regressar à Jerusalém para incentivar uma reforma civil e espiritual.

Além dele, Neemias é incumbido da reconstrução dos muros da cidade e posteriormente se torna governador da província de Jerusalém. E, por fim, Ester. Assim como alguns judeus, ela permaneceu em terra estrangeira e teve sua liberdade ameaçada. Deus, no entanto, usou sua vida como parte do seu plano perfeito e fez dela rainha da Pérsia, concedendo-lhe autoridade para intervir em favor de seu povo.

Consegue perceber como, soberanamente, o Senhor encaminhou a história com a intenção primeira de glorificar o seu Nome e também restaurar seu povo? O propósito de Deus era declarar Israel livre de um tempo doloroso e caótico. Ele providencia reconstrução, intervenção e incentivo ao povo.

Assim como a deles, a nossa liberdade também foi adquirida por meio do Senhor. Sua providência nos alcançou por meio da morte de Jesus, por meio da qual preparou reconstrução e intervenção em nosso coração antes escravo do pecado e oprimido por ele.

Experimentamos, hoje, o que Israel, naquela época, conseguiu ter apenas um vislumbre. A liberdade oferecida por meio do sangue de Cristo nos proporciona salvação eterna, não estamos mais exilados em terra estrangeira, o Rei perfeito conquistou a nossa vitória sobre os inimigos e nos proporcionou a esperança que é âncora firme para a alma e que jamais será abalada (Hb 6:19).

Conclusão

Portanto, podemos concluir que apesar da maldade humana residente no coração de todos aqueles que são apenas coadjuvantes dessa história, Deus opera gloriosamente de modo a submeter todas as coisas ao seu plano perfeito. E, assim como foi para Israel, que participou da linhagem do Messias, grande também é o nosso privilégio de ser um povo que Ele escolhe hoje usar.

Aprendemos ainda que, por mais que pareça ser um desafio, precisamos olhar para as Escrituras com as lentes do plano de redenção, buscando compreender como elas anunciam a obra de Cristo. Do começo ao fim.

Por Ana Karolina Brito