A história da aliança – O Evangelho no Pentateuco

O Pentateuco, como são chamados os cinco primeiros livros da Bíblia, tem muito a nos dizer sobre o Evangelho de Jesus Cristo. Ao contrário do que muitos pensam, a história de Cristo não começa a ser narrada no Novo Testamento – ela tem início em Gênesis 1.

Podemos dizer que a Bíblia é a Revelação de Deus aos homens, e que essa revelação se deu de maneira progressiva ao longo da história. À medida que avançamos na cronologia bíblica, nossa visão acerca de quem Deus é vai se tornando cada vez mais nítida, até culminar na Pessoa de Cristo descrita nos Evangelhos.

Assim, os eventos narrados em Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio nos ajudam a compreender todo o restante das Escrituras. Esses livros, escritos por Moisés, nos dão um pequeno vislumbre de toda a história da humanidade, que pode ser resumida em quatro palavras: Criação, Queda, Redenção e Consumação.

Criação, Queda, Redenção e Consumação

Ao olharmos para os primeiros capítulos de Gênesis, nos deparamos com a Criação. O Jardim do Éden, também chamado de “Paraíso”, era o lugar perfeito, onde a criação estava em total harmonia com o Criador. O homem, feito à imagem de Deus, tinha um relacionamento perfeito com Ele.

Mas, um dia, esse relacionamento foi quebrado. Quando a serpente tentou Eva no Jardim e ela cedeu à tentação, não somente a mulher e seu marido caíram, mas todo o Mundo perfeito e ideal foi corrompido pelo pecado. Esse evento, chamado de Queda, introduziu a morte física e espiritual no mundo, além das doenças, desastres naturais, violência, desigualdades sociais, preconceitos e todos os tipos de sofrimento. Em suma, todo o mundo caído que conhecemos hoje é fruto do pecado. O pecado foi o legado de Adão para toda a raça humana. Ele faz parte da nossa natureza, de quem nós somos, do nosso DNA.

Felizmente, a história não termina na Queda. A trama continua. Deus tem – e sempre teve – um Plano. A Redenção nunca foi o “Plano B” de Deus. Enviar Seu Filho para salvar a humanidade sempre foi o único e definitivo “Plano A”. Conforme lemos as Escrituras, nos deparamos com os atributos de Deus, que nos mostram que Ele é um Deus Soberano. A soberania de Deus nos garante que Ele nunca é pego de surpresa pelo pecado dos homens. Ele sempre está no controle de tudo, e faz com que até mesmo as piores circunstâncias sejam revertidas para o bem do Seu povo e para o louvor da Sua glória.

Por isso, ali, no próprio Jardim do Éden, Deus já revelou Seu plano para resolver o problema do pecado. Por ser um Deus justo, Ele pronunciou a sentença de castigo sobre o homem, a mulher e a serpente. Mas Sua justiça também compreende sua graça e misericórdia, de modo que a sentença proferida não termina com o castigo, e sim com a promessa de Redenção.

Deus promete que haveria inimizade entre a descendência da serpente e o descendente da mulher, mas que, ao fim, o descendente da mulher esmagaria a cabeça da serpente. Essa promessa é chamada de “Proto Evangelho”, pois, exatamente ali, em Gênesis 3:15, temos o primeiro anúncio das boas-novas: Cristo, o descendente da mulher, virá para nos salvar.

Por fim, o legado do primeiro Adão dará lugar ao legado do segundo Adão – Cristo – que será obediente em tudo aquilo que o primeiro Adão não foi. Ele inaugurará uma Nova Criação e fará novas todas as coisas. Essa será a Consumação, o começo de um Paraíso que será muito melhor do que o primeiro.

A história da aliança: A descendência prometida e a Igreja

Vimos que Deus anunciou, desde o Éden, a vinda de um descendente prometido ao mundo. A palavra hebraica traduzida como “descendência” em Gênesis 3:15, também é traduzida como “semente”, “posteridade”, “filhos”. No plano da Redenção, o Messias – o descendente da mulher – não poderia vir de uma linhagem qualquer. O plano de Deus era separar um povo para si, um povo que fosse distinto dos povos pagãos e idólatras ao redor, um povo que se chamasse pelo Seu nome, que fosse Santo como Ele é Santo, guardando os Seus preceitos, estatutos e ordenanças. E era esse povo, santo e separado, que seria encarregado de carregar a semente santa. Era esse povo que constituiria a linhagem, a genealogia do Messias prometido.

É nesse contexto que Deus chama Abraão e escolhe a sua descendência para ser a portadora da santa semente, e preservá-la até o nascimento do Salvador. É por esse motivo que Deus faz uma aliança com Abraão e com toda a sua descendência – o povo de Israel.

No entanto, precisamos compreender que a intenção de Deus nunca foi restringir a salvação a um grupo de pessoas com base em um critério étnico-racial. Ele “não faz acepção de pessoas; mas (…) lhe é agradável aquele que, em qualquer nação, o teme e faz o que é justo.” (At 10:34-35).

A aliança de Deus ultrapassa barreiras étnicas. A Bíblia está repleta de exemplos de pessoas que amaram o Senhor, se submeteram à Sua lei, e foram acrescentadas ao povo de Deus e aceitas como verdadeiras israelitas. Assim, aqueles que, até hoje, possuem a mesma fé que Abraão possuía no Senhor podem ser chamados filhos de Abraão e herdeiros das mesmas promessas feitas à sua descendência (Gl 4:28, Rm 9:8).

A verdade é que a história do povo de Israel se assemelha mais à nossa história do que imaginamos. Há diversos paralelos entre a nossa vida espiritual e a vida dos israelitas. Veremos alguns deles nos próximos tópicos.

Do Exílio à Terra Prometida: Separados e reconciliados com Deus

Depois de pronunciar os castigos devidos a Adão, Eva e à Serpente; bem como de embutir, junto às palavras de juízo, palavras de esperança ao homem e à mulher, a Bíblia nos diz que “O Senhor Deus, pois, o lançou fora do jardim do Éden, para lavrar a terra de que fora tomado. E havendo lançado fora o homem, pôs querubins ao oriente do jardim do Éden, e uma espada inflamada que andava ao redor, para guardar o caminho da árvore da vida” (Gn 3:23-24).

Como um dos castigos pelo pecado, Adão e Eva foram expulsos do Paraíso, exilados para longe daquele Jardim onde eles tinham plena comunhão com Deus e acesso ilimitado à Sua presença. O Exílio do primeiro casal nos aponta para a nossa própria condição espiritual: separados da presença do Pai, destituídos da glória de Deus (Rm 3:23).

No entanto, anos mais tarde, vemos Deus fazendo uma aliança com Abraão e sua descendência. Ele promete lhes dar uma Terra como herança, uma terra onde Deus habitaria, onde Ele seria seu Deus e eles seriam Seu povo. Essa Terra Prometida seria como um novo Éden, um lugar onde o relacionamento entre Deus e os homens, anteriormente quebrado, seria, finalmente, restaurado.

No livro de Êxodo, vemos que o povo ainda se encontra exilado dessa terra, em um lugar distante, onde eram oprimidos como escravos. Então, Deus levanta um libertador, chamado Moisés. Pelas mãos de Moisés, Deus faz muitos prodígios a fim de libertar o povo, enviando diversas pragas ao Egito. A travessia do povo pelo Mar Vermelho significou a passagem de uma vida debaixo de escravidão para uma vida de liberdade. Moisés foi o instrumento usado por Deus para guiar seu povo do exílio à terra prometida.

A história do Êxodo também nos remete à nossa condição espiritual, antes e depois de Cristo. Éramos, todos, escravos do pecado, oprimidos por Satanás e separados de Deus. Até que, um dia, fomos libertos por Jesus, passando para uma nova vida. Na cruz, nossos pecados recaíram sobre o Filho de Deus e, pela primeira vez na história, Pai e Filho – as duas primeiras pessoas da Trindade – foram separados. Cristo sofreu a separação do Pai em nosso lugar, a fim de nos reconciliar com Ele. Ao se ver sozinho na cruz, com o peso dos nossos pecados sobre si, clamando “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mt 27:46), Ele se fez o nosso Substituto.

Foi assim que Cristo nos resgatou de maneira definitiva do Exílio, e conquistou de volta para nós o Lugar que havia nos pertencido no princípio: na Presença de Deus, em perfeita comunhão com Ele. Essa comunhão, é claro, embora já seja possível por meio de Cristo, se dará de maneira final e completa na Nova Jerusalém, a nossa Terra Prometida.

A jornada no deserto: Chamados a peregrinar

Após a travessia do Mar Vermelho, a jornada do povo de Israel rumo à Terra Prometida estava apenas começando, e a trajetória não seria tão fácil assim. Os livros de Levítico, Números e Deuteronômio se passam durante os 40 anos de peregrinação do povo no deserto, e retratam as dificuldades, lutas e batalhas que os descendentes de Abraão enfrentaram para conquistar a terra e tomar posse dela.

Se observarmos bem, veremos que as histórias narradas nesses livros também descrevem o quadro das nossas vidas e as batalhas que enfrentamos aqui deste lado da Eternidade.

Vimos que, da mesma forma que Deus enviou Moisés para libertar o povo do Egito, Ele enviou seu Filho para nos libertar da escravidão do pecado e do Reino das Trevas, no qual antes estávamos sob domínio de Satanás. Ele está nos conduzindo, agora, ao Reino do Filho do seu amor (Cl 1:13). Mas, antes de chegar lá, precisamos atravessar o deserto e lutar muitas batalhas, tendo o cuidado de não nos envolver com os povos e as culturas pagãs ao redor.

Apesar das dificuldades, precisamos continuar peregrinando, vivendo neste mundo como estrangeiros e peregrinos, não amando as coisas que são daqui, mas fixando nossos olhos na promessa, pois a nossa cidadania está na Cidade Celestial. É a ela que nós pertencemos (Fp 3:20, Hb 11:13-16, 1Pe 2:11).

Conclusão

Neste mundo, não teremos poucas lutas e aflições. Mas podemos confiar que Aquele que estava com os filhos de Israel numa nuvem de dia e numa coluna de fogo à noite (Ex 13:21) estará, também, conosco em nossa trajetória. E assim como o povo que se alimentava do maná no deserto, seremos igualmente sustentados pelo Pão que desceu do céu (Jo 6:48-51). Ele garantirá que cheguemos ao destino final.

O Senhor Jesus prometeu preparar-nos um lugar (Jo 14:2). Essa Terra Prometida que Ele está preparando para nós será ainda melhor do que a terra que manava leite e mel, situada além do rio Jordão. Também será ainda melhor que o Éden, pois lá viveremos em perfeita comunhão com o Pai e o pecado nunca mais existirá.

Portanto, que possamos caminhar aqui neste mundo com essa doce esperança: que todo sofrimento é passageiro, e logo dará lugar a uma alegria incomparável e a uma glória nunca antes experimentada.

Por Laisa Said

Indicações de leitura:

● “Ainda melhor que o Éden” – Nancy Guthrie
● “O que é teologia bíblica?” – James M. Hamilton Jr.
● “O Filho de Deus e a Nova Criação” – Graeme Goldsworthy
● “Êxodo para você” – Tim Chester