O amor imperfeito, quando aqueles que deveriam nos amar ferem.

Um Deus. Relacional

A comunhão do Pai, Filho e Espírito. Deus se apresentar como modelo para a comunhão, três pessoas em comunhão amorosa e igual valor. A partir do próprio Deus, entendemos melhor como Ele mesmo nos designou para relacionamentos.

Deus que não precisava se relacionar conosco, por sua soberana vontade resolve criar o homem e se relacionar com Ele.

Relacionamento à maneira de Deus vs Á maneira dos pecadores

Os relacionamentos, antes da queda, eram plenos, íntegros e amorosos.

Adão e Eva tinham perfeita harmonia com Deus, mas mesmo assim resolveram colocar a si mesmos como mais importantes e fundamentais do que seu relacionamento com o Criador (Gn. 3).

Nós também somos feitos à imagem de Deus, mas agora vivemos em um mundo caído, e também colocamos a nós mesmos em primeiro lugar Como Adão e Eva, precisamos de Cristo para a mudança em nossos relacionamentos, com outros e com o próprio Deus.

Um espelho diante de nós e dos nossos relacionamentos.

O modelo de Deus para o relacionamento é, radicalmente diferente daquela como Adão e Eva e todos nós lidamos com o pecado. Em Cristo, somos chamadas a cuidar do coração os outros e tratar como Ele trata, compartilhando amor e responsabilidade.

Precisamos avaliar honestamente nossa responsabilidade, avaliar se somos a pessoa difícil no relacionamento e assumir pecados que cometemos diante de determinada situação, nos colocando diante de Deus (Sl. 139.23; Jr. 17.10; Rm. 8.27).; e mesmo que gratuita e deliberadamente pequem contra nós, não devemos permitir que a forma como respondemos a isso seja também pecaminosa. O princípio de Provérbios 15:1[1], ajuda a discernir que a ira pecaminosa vem na instintiva, e que pode ser sábio inicialmente deixar a questão passar. E as diretrizes para tratar as questões, são por exemplo Mateus 18.15-20[2] e Lucas 17.3-4[3].

Satanás nos cega para nosso próprio pecado, e o que acontece é que percebemos e queremos a correção do pecado nos outros. A ira de Deus e seu caráter santo e justo, e nossos sentimentos, emoções ou reações não pode ser de malícia, vingança e amargura (Ef.4:26-32, Lm.3.40, Sl. 26.2).

Os relacionamentos envolvem intencionalidade, de que maneira agimos e reagimos em nossos relacionamentos, especialmente quando nos ferem?

Jesus lidou com a inimizade

Não posso mensurar em que medida e profundidade determinado relacionamento te afetou e magoou, mas o Senhor conhece, o seu coração e o meu também! Pecamos e somos afetados pelos pecados de outros.

Começamos lembrando que, “no que depender de nós, teremos paz com todos”.(Rm.12.18), o que não se dissocia da santificação (Hb. 12.14) Depois de uma autoanálise, quero lidar com alguns relacionamentos, aqueles em que lidamos com inimizade gratuita.

Os “inimigos” e a “inimizade” não são estranhos à Bíblia e ao próprio Deus. Desde Adão e Eva e todos nós, sem Cristo, estamos em inimizade com Deus, e com pesar e estranheza experimentamos as consequências do pecado. Também imaginamos os “inimigos” como algo que parta de nós ou de um descrente…, mas um inimigo pode nos escolher, gratuitamente, e dirigir a nós em inimizade. (Rm.5.10; Sl.56.2, 59.1).

O pastor. Tiago Cavaco ao falar de inimizade explica:  

“Creio que em grande parte nós cristãos idealizamos uma fé cristã que é uma especie dever de ser amigos de todos. Por algumas razões idealizamos que quando alguém é cristão, tem que ser amigo de todos, o que ‘é impossível. Não há qualquer base bíblica para defender isso. Sei que isso é difícil de ouvir! O mais próximo que existe disso ‘é Hb. 12:14, sobre “procurar a paz”. Neste sentido precisamos de uma “teologia da inimizade”. A exigência de Jesus é superior a sermos amigos de todos, A exigência de Jesus ‘é o amor aos que nos odeiam.(…) O exemplo de Jesus em Lc 26.34, nos ajuda a entender quem são os inimigos, que são aqueles que já te fez sofre, capazes de te magoar”

Infelizmente, pais, irmãos, avós, sogros, familiares e amigos, até mesmo um crente, ou que se diga um seguidor de Cristo estão nessa lista[4] de inimizade gratuita. A inimizade nos coloca diante de feridas reais e nos perguntamos como responder à maneira de Deus aqueles de quem se espera amor, respeito, consideração, mas não há esses sentimentos ou há uma distorçāo deles e parece não haver mudança?

Cortando pela raiz!

Glorificar a Deus nos relacionemos diante da ofensa ao agir como Jesus agiria, amando e perdoando, não importa quão grande seja o mal recebido! Amar um inimigo, não é tarefa fácil, e é a primeira resposta dada por Jesus (Mt. 5:43-44). Por graça de Deus, oramos e pedimos que Ele encha o nosso coração de verdadeiro amor pelos que nos magoam, perseguem, afligem repetidamente, e só nele podemos fazer isso, porque amar aqueles que amam não nos exige muito (Lucas 6:32-35)

E o que é perdão? Uma definição correta nos ajuda e oferece uma compreensão correta do caráter do próprio Deus: ele é antes de qualquer coisa uma decisão, decisão de renúncia ao direito de magoar, recusar retaliar ou guardar amargura por causa da forma como nos magoaram. É um ato unilateral, que não está condicionado ao arrependimento ou reconhecimento da ofensa.

Deus, que perdoou a nossa enorme dívida, dá-nos o poder de perdoar os outros. sobre nós. (Ef. 4.32) No perdão contínuo Cristo faz algo profundo em nós e por nós, o perdão nos liberta o domínio da amargura, da exigência de qualquer retribuição pela ofensa. Se não levarmos a Cristo e lutarmos contra o pecado, permitiremos que esse sentimento se enraize e brote (Hb. 12:15) e nossa ira seja pecaminosa (Tg. 1:20)

Isto faz parte da santificação, Isso envolve a consciência de lutar contra os nossos pecados! Neste processo, destaca Paul Tripp: “O perdão não é um evento que passa a fazer parte do passado. E algo que precisamos continuar a praticar, mesmo quando somos forçados a lidar com uma ofensa que já havíamos perdoado.”[5] Ele é algo imediato e ao mesmo tempo um processo contínuo! E não praticá-lo impedirá nossa comunhão e perdão do próprio Deus (Mt. 6.14-15).

A reconciliação em Jesus, responsabilidade e mudança

Perdão traz a realidade de relacionamentos quebrados, feridas reais. Todas as coisas voltam a ser como antes e não serei mais ferido? Ou terei um relacionamento com essa pessoa? Deus não exige ou garante isso, porque a reconciliação requer atitude e responsabilidade.

Quando lida com pecados, alvos do seu perdão, Deus não os trata como se eles não tivessem acontecido. Desde que o pecado entrou no mundo por causa da escolha de Adão e de Eva, Deus os colocou diante de sua responsabilidade de suas ações e das consequências: “Por causa do que você fez[6],, diante da tentativa deles (e de todos nós de culpar sempre outro, uma circunstância, etc.)

O perdão é sempre exigido por Deus, mas ele nem sempre leva à reconciliação ou restauração. Reconciliar-se é reconstruir um relacionamento, isto pode ser o trabalho de toda uma vida, um processo, às vezes demorado. condicionadas (no evangelho e nas relações humanas) ao arrependimento genuíno (Lc.17.3), à disposição de aceitar as consequências das suas ações e a evidência uma mudança da conduta. (Hb. 10:26-27).

A perdão não exige restaurar a confiança imediatamente ou convidar as pessoas que nos magoaram a voltar a um relacionamento, nos lembrando que as almas desses com quem nos relacionamos e nos ferem são responsabilidade de Deus, não nossas! Não devemos ser consumidos pelo anseio de mudar o outro ou de medir a justiça em nossos próprios termos, porque Ele terá misericórdia de quem tiver misericórdia (Ex. 33.19). O que Deus faz é justo, independentemente das mudanças que esperamos. Precisamos descansar, saber que Deus está trabalhando.

A reconciliação requer a confissão do pecado/reconhecimento da ofensa (porque aqueles que não são crentes não nomearão atitudes como “pecado”) e arrependimento genuíno por parte do ofensor, uma mudança que não se restringe a lágrimas ou palavras de arrependimento, mas mudanças claras de atitude e comportamento. Jesus disse: “Pelos seus frutos os conhecereis” (Mt 7.16a).

Quando a reconciliação não acontece!

Pode ser que o arrependimento e a mudança não aconteçam, e as feridas continuem, e por vezes até impliquem risco a sua vida (a realidade de abusos físicos, verbais e emocionais). O amor sacrificial não é o mesmo que permitir que o pecado e o egoísmo alheio se manifestem continua e livremente.

Em sua segunda carta a Timóteo, o apóstolo Paulo faz descreve um grupo de pessoas que ele chama de “insensíveis, abusivas, brutais e traiçoeiras” (2Tm 3.2-4), instruindo Timóteo a ser paciente e gentil, orando a Deus para que haja arrependimento (2Tm 2.24-26), mas também orientando a “Evite essas pessoas” (2 Tm. 3.5), quando nelas não há mudança de conduta.

Ao referir-se ”à  Alexandre, o latoeiro, Paulo afirma “Tu, guarda-te também dele” (2 Tm. 4.14-15). A palavra “guardar, ‘phulasso’ dá a ideia de vigiar, manter um olhar atento, proteger-se, não apenas das ações, mas para nos guardar diante do abatimento para a alma e de que essas pessoas, em sua atitude impenitente, representam um perigo para a fé.

O livro de provérbios em inúmeras oportunidades nos alerta contra aquele que se mantém em seu comportamento, aquele que despreza a sabedoria e a Deus, chamando-o de “tolo/ insensato/ louco” e também recomendando que se mantenha distância deste (Pv. 1.7,12.23, 14.7, 18.7, 26.11).

Correndo para Cruz!

Cabe aqui o lembrete de que olhamos para Bíblia como nosssa regra de fé e prática, mas aqueles que nos ferem, como já dito antes, podem ser aqueles que não salvos, por vezes aqueles professos, mas que em suas vidas não refletem frutos de conversão. Sua maior necessidade, é Cristo, é o perdão de Deus. E no relacionamento ferido, devemos procurar fazer com que o evangelho verdadeiramente governe nossas acoe e reações e influencie a vida dos que ainda não tem a Cristo.

Jesus disse ao morrer na cruz foi: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc. 23.24) Esse mesmo Cristo no capacita perceberem que sem Eles somos incapazes de perdoar, reconhecer isso nos aponta de volta para Jesus, de quem somos igualmente necessitados, ofendidos e ofensores E seremos capacitados a abrir nossos corações e reconstruir relacionamentos, porque de Cristo é a reconciliação.

E esta pessoa que o ofendeu está sendo usada como um instrumento nas mãos de Deus para ajudá-lo a amadurecer, servir aos outros e glorificá-lo, pode ser mais fácil para você seguir em frente com o perdão (ou seja, a restauração). Termino com Paul Tripp e a nossa necessidade de enxergar cada relacionamento como uma oportunidade para sermos mais parecidos com Cristo e para glorificá-lo:

Portanto, não devemos simplesmente manter uns aos outros os elevados padrões relacionais da Palavra de Deus, mas também devemos oferecer diariamente a mesma graça que recebemos uns aos outros, para que possamos ser ferramentas de graça na vida uns dos outros. Nossa confiança não está na capacidade que temos de guardar a lei de Deus, mas sim na graça que dá vida e transforma o coração daquele que nos atraiu para si e tem o poder de nos atrair uns para os outros. Quando vivemos com esta confiança, olhamos para as dificuldades dos nossos relacionamentos não tanto como dificuldades a suportar, mas como oportunidades para entrar numa experiência ainda mais profunda da graça resgatadora, transformadora, perdoadora e capacitadora de Jesus, aquele que morreu por nós e está sempre conosco.”

Por: Jéssica Sayuri


[1] Provérbios 15:1: “A resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira”.

[2][2] Mateus 18.15-17: Se seu irmão pecar contra você, vá e repreenda-o em particular. Se ele ouvir, você ganhou o seu irmão. Mas, se não ouvir, leve ainda com você uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três testemunhas,toda questão seja decidida.

E, se ele se recusar a ouvir essas pessoas, exponha o assunto à igreja; e, se ele se recusar a ouvir também a igreja, considere-o como gentio e publicano

[3] Lucas 17.3-5: Tenham cuidado. Se o seu irmão pecar, repreenda-o; se ele se arrepender, perdoe-lhe. Se pecar contra você sete vezes num dia e sete vezes vier para lhe dizer: “Estou arrependido”, perdoe-lhe. Então os apóstolos disseram ao Senhor:

  — Aumente-nos a fé.

[4] Falamos disso aqui: https://teologiaparamulheres.org/sera-que-eu-sou-salva/

[5] Relacionamentos, uma confusão que vale a pena – Paul Tripp e Timothy Lane

[6] Gn 3:14 – Nova Almeida Atualizada.