Como cuidar do corpo, a morada do Espírito Santo

Você não tem um corpo.

Se você acha que tem, está errada.

Dentro de um contexto cristão, falar sobre o corpo geralmente correlaciona dois extremos: a secularização vaidosa, que supervaloriza sua exposição, e a tentativa religiosa de fuga do mundanismo por meio da suposta abnegação. Essas aparentes oposições abraçam o mesmo princípio de repulsa contra o próprio corpo.

Pode ler de novo, a frase está correta.

Aquela mulher que posta fotos sensuais no Instagram e a puritana que acredita que o corpo é mau, que é algo que se deve suprimir e esconder estão apoiadas em um igual modo de pensar.

Temos certa clareza ao pensar em como o mundo trata a questão do corpo. É fácil atribuir a vaidade, a idolatria do padrão estético e a sexualização como consequências da queda e do pecado, atitudes essas que, por vezes, são descritas como “amar a si mesmo”. Porém, o resultado disso é o oposto do amor.

O desejo desmedido de alcançar um determinado padrão dissocia o corpo do espírito e reduz a anatomia humana a apenas um amontoado de células que possuímos e que estão sob o nosso poder para esculpir. É considerar o corpo como um simples veículo da alma ou um objeto, um acessório de cada pessoa, uma parte de si.

Na defesa do “meu corpo, minhas regras”, cria-se uma consciência de objetificação daquilo que era para ser sagrado. Essa frase revela o pensamento de que a “estrutura na qual habitamos” não é necessariamente o ser, mas algo que ele possui.

Mas… Você não tem um corpo, lembra?

Ninguém tem. Não há quem disponha de tal matéria.

O corpo não é algo que nós detemos, o corpo é o que nós somos.

Não é uma parte de você, é você por completo, como Deus criou para que fosse, segundo a Sua imagem e semelhança.

Se o corpo é somente algo que possuímos, não existem limites para o que escolhemos fazer com ele. Se separarmos a pessoa do corpo, teremos uma série de consequências morais que depreciam a matéria. Questões como eutanásia, sexualidade deturpada, aborto e transgenerismo decorrem da mesma crença: “se quem eu sou como pessoa e a minha carne são coisas diferentes, o que eu faço com ela não é relevante”. Isso é o que sustenta o pensamento de quem afirma estar “presas no corpo errado”, quem não se identifica com o seu sexo biológico, quem não considera o feto como uma vida e outras confusões.

Por isso, a resposta piedosa, tanto contra a secularização, como contra o moralismo é a mesma: nutrir um amor bíblico pelo corpo. (Ughh, talvez essa ideia tenha até te causado calafrios. Causou a mim também, no início. Mas é claro que não me refiro a um movimento de positividade, afinal, isso iria contra tudo o que foi dito até agora. O adjetivo ali faz toda a diferença, precisamos desenvolver um amor bíblico pelo corpo, não o que o mundo tem chamado de amor).

Comecemos do começo.

Imagem é, literalmente, “a representação visual de uma pessoa ou objeto”.

O corpo, esse grande acúmulo de matéria orgânica, não é algo decorrente da queda, mas foi criado por Deus dentro de Sua vontade para um mundo perfeitamente bom. Ser “imagem e semelhança”, tal como visava a Trindade em Gênesis 1 é um trabalho para o ser humano de forma completa, uma missão que só é possível por meio (e por causa) do nosso corpo.

É impossível vivermos de acordo com a vontade de Deus, individual e coletiva, se ignorarmos o fato de que ela somente é cumprida em nós de forma visível e corpórea.

Veja 1 Coríntios 6:13-20. Não existe separação, somos um ser integral.

O texto começa com o que parece ser um dizer popular que constrói um paralelo entre a fome e os desejos sexuais desenfreados, como se ambos fossem de igual modo uma necessidade irresistível da carne, mas logo são advertidos.

Se você precisa de mais do que o propósito da criação para entender que deve amar seu corpo, Paulo não deixará que você permaneça assim. Leia esse trecho novamente e marque todas as vezes que aparece a palavra “corpo”, anotando as verdades trazidas junto a essa palavra:

O corpo é para o Senhor.

Deus ressuscitará o meu corpo.

Meu corpo é membro de Cristo.

Meu corpo é santuário do Espírito.

Eu não pertenço a mim mesmo.

Eu fui comprado por alto preço.

Eu devo glorificar a Deus no meu corpo.

O corpo não é um acessório para a alma, não é um aglomerado de átomos em volta do que nos faz um ser genuíno, mas é exatamente o que permite que a vida seja possível, é o que nos torna pessoas. O conceito de morte deveria deixar isso claro, mais do que qualquer outra coisa. “Morrer” é a palavra que atribuímos ao momento em que a alma e o corpo são separados. Isso é tão óbvio em nosso pensamento, mas, mesmo assim, insistimos em viver como se essas coisas fossem distintas.

Deus nos comprou por completo, corpo e alma, e cabe a nós entregarmos a Ele e prestarmos conta de tudo o que lhe pertence. Seremos cobrados por como cuidamos, administramos ou deixamos deteriorar o que recebemos.

É necessário que apliquemos em nossas vidas, de forma prática, todas essas verdades de 1 Coríntios. Assim, amaremos nosso corpo e o usaremos para amar a Deus e ao próximo.

O amor bíblico pelo corpo se manifesta em algumas maneiras distintas, as quais citarei. Desejo que você reconheça o que precisa ser feito e reflita sobre como viver a vida cristã como ela deve ser vivida: de forma completa, integral, simples e cotidiana.

  1. O corpo permite que exercitemos virtudes.

Diligência com a sua estrutura material não é menos importante do que o esforço para crescer de forma espiritual. Inclusive, cuidar do que é físico e visível é um ótimo desafio de domínio próprio, perseverança e sacrifício. Dizemos buscar resistir às tentações, mas nem sempre conseguimos resistir a um brigadeiro. Essas coisas não estão desconectadas. O que fazemos no corpo tanto cria um padrão de hábitos que moldam nossos afetos quanto revela aquilo que temos amado.

  1. Amar o corpo é um mandamento que possibilita cumprirmos outras ordenanças.

Os mandamentos que nos são dados só são possíveis de serem cumpridos por causa do nosso corpo. É a partir dele que vivemos, respiramos, nos movemos, amamos e traduzimos o amor. O Deus que “amou o mundo de tal maneira” o fez por meio da encarnação do Seu próprio Filho, que é um com Ele. Alimentar-se de forma balanceada, nutrir o corpo adequadamente, exercitar-se e dar a ele descanso são atividades que, além de glorificar a Deus em si mesmas, nos capacitam no serviço do Reino, nos dando condição e disposição.

  1. Deus criou o ser humano com corpos e a Sua criação é muito boa.

Olhamos para a criação e nos maravilhamos com a sua grandiosidade e como ela revela a ainda maior grandiosidade de Deus, mas não ficamos tão contemplativos quando esta criação é a nossa imagem no espelho. Tomás de Aquino dizia que algo era belo quando transbordava a essência do seu ser. Se somos portadores da imagem divina e representantes visíveis dessa graça, somos belas criaturas quando jorramos do Espírito.

  1. O amor pelo corpo é visto em cuidado e boa mordomia com o que pertence a Deus.

Fomos comprados. Não somente o nosso espírito, pois dessa forma não teríamos como viver para Deus e em união com Ele, mas por completo. Eu sou propriedade dAquele que pagou o preço pela minha vida e a Ele prestarei contas. Pense em um item que você possui e que custou caro. Uma roupa, um sapato novo ou um eletrônico. Como você cuidava desse item durante a primeira semana? Imagino que com muito zelo. A maneira com que você cuida do seu corpo revelará o quanto você tem entendido sobre o valor que Cristo pagou por ele na cruz.

  1. Meu corpo é morada do Espírito Santo.

“Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; porque o santuário de Deus, que sois vós, é sagrado” (1Co 3:16). O que fazemos com nossos membros está longe de ser trivial. As atividades materiais, ou seja, tudo o que executamos, são sagradas. A sua rotina, trabalho, hobbies e alimentação não estão à parte do Cristianismo e do domingo.

  1. Seremos ressuscitados com Cristo.

Nós amamos tudo e qualquer coisa, somos criados como seres que amam e esses nossos amores apontam para aquilo que seguimos e acreditamos, para onde estamos voltados. Devemos nutrir um amor bíblico pelo nosso corpo, não como forma de vaidade desmedida ou para esculpir belos produtos a serem exibidos, mas como obediência ao que o Senhor ordena, cuidado com o que Ele concede e sacrifício vivo a Deus. Tal amor não engrandece a si mesmo, mas é uma das maneiras pelas quais nossos afetos apontam para a eternidade. Por causa de Jesus, temos a garantia de que Deus cumprirá Seu propósito de santificação em nós de forma perfeita e adequada. Ele não lançará fora nossos corpos, mas os ressuscitará transformados.

Por Lara Sayuri