COM QUAIS LENTES VOCÊ TEM LIDO A BÍBLIA?

Ontem comecei a ler a epístola do apóstolo Paulo a Tito. Nela Tito é descrito como um “verdadeiro filho segundo a fé comum”, possivelmente, Tito fora convertido por meio das pregações do apóstolo Paulo. Em outras passagens bíblicas, como Gálatas 2:3, somos informados de que Tito era um cristão gentio, de origem grega; um irmão na fé muito querido por Paulo (2 Coríntios 2:13); e um companheiro e cooperador em seu ministério (2 Coríntios 8:23). É válido registrar também que Tito foi quem levou a Corinto a segunda Epístola de Paulo aos Coríntios (2 Coríntios 8:16-18). Tais informações demonstram que Tito era um homem fiel e zeloso, ao ponto de Paulo tê-lo deixado responsável por organizar a igreja em Creta, bem como, constituir presbíteros para liderarem esta igreja.

Logo no início de minha leitura, no capítulo 1, me deparei com as qualificações dos presbíteros prescritas pelo apóstolo Paulo. Qualificações que Tito deveria considerar ao eleger uma liderança para aquela igreja. Talvez, diante de uma narrativa como essa surja a pergunta: como eu, uma mulher de 28 anos, não casada deveria ler estas passagens? Será que eu deveria simplesmente pular esta parte da Bíblia, uma vez que não sou um presbítero? Será que nada do que o apóstolo Paulo tenha escrito nestas linhas pode ser aplicado à minha vida? Será que existem partes da Bíblia que eu deveria pular porque “não se aplicam” à minha realidade específica? E quando chegar a Tito, capítulo 2? Será que devo ignorar as orientações dadas às mulheres mais velhas, uma vez que “não me encaixo” nesta condição? Bem, a resposta a todas estas perguntas é um retumbante NÃO!

Minhas irmãs, permitam-me falar-lhes com muito zelo e amor. Nós PRECISAMOS parar de colocar a feminilidade como uma condição espiritual à parte no Corpo de Cristo, caso contrário, cairemos na mesma falácia do Feminismo, enfatizando sobremodo a experiência feminina e tornando esta experiência a lente pela qual enxergamos não só o mundo como também a própria Escritura. A frase de Elisabeth Elliot já repetida tantas vezes segue sendo atemporal e totalmente necessária: “O fato de ser mulher, não me torna um tipo diferente de cristão. Mas, o fato de ser cristã, me torna um tipo diferente de mulher.” Não somos uma classe diferente de cristãos por sermos mulheres; não precisamos de uma Bíblia com uma linguagem específica porque somos mulheres e, definitivamente, não precisamos de uma Bíblia com ênfase em “assuntos femininos” se sobrepondo à Palavra.

“Toda a Escritura é útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem (gr. ántropos, isto é, ser humano, homem ou mulher) de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda a boa obra” (2 Tm 3:16-17)

Toda a Palavra é útil. Não existem partes da Palavra que sejam inúteis ou dispensáveis para a mulher. Não existem passagens para os casados, passagens para os solteiros. Embora esses grupos sejam, sim, mencionados nas Escrituras, todos os princípios espirituais contidos em cada passagem se aplicam a vida cristã de modo geral, e precisamos ter isso em mente.

Precisamos parar de focar tanto em narrativas femininas da Bíblia e focar no seu todo. Precisamos parar de ser seletivas em nossas leituras; precisamos parar de ser seletivas em nossos estudos para mulheres. As mulheres não precisam aprender SÓ com a mulher samaritana, ou com a mulher do fluxo de sangue, Débora, Ester ou Rute – embora a vida dessas santas mulheres tenha, sim, algo a ensinar, não somente a mulheres, diga-se de passagem, mas aos cristãos de modo geral. Apesar disso, precisamos ampliar e aprofundar nossa visão sobre a Bíblia.

Talvez uma das perguntas que mais ecoe dentre as mulheres cristãs atualmente seja: Como posso exercer minha feminilidade de maneira bíblica? Confesso que eu mesma já quebrei muito a cabeça tentando entender exatamente o que significa a feminilidade bíblica. Nessa busca percebi que a resposta a essa pergunta é muito mais simples do que parece. O cerne da questão não é uma feminilidade bíblica, mas uma fé bíblica. A feminilidade precisa ser resultado da nossa fé, não o princípio, mas o resultado. Não podemos substituir fé por feminilidade. Fé não tem cor e não tem gênero. Com isso, o que quero dizer é que a pergunta central não deve ser: como exercer a feminilidade bíblica, se assim for, o foco de nossa leitura bíblica será basicamente encontrar exemplos de feminilidade. E, o perigo disso, minhas queridas, é que se formos à Bíblia apenas em busca de exemplos de feminilidade, nem mesmo Cristo nos servirá, pois Ele não se encaixará nos padrões que estamos criando para nós mesmas. Cristo é o exemplo supremo para todos os cristãos, homens e mulheres, e, não precisamos de uma lente cor de rosa para enxergar isso.

À medida que nos sujeitamos aos princípios gerais das Escrituras podemos aplicá-los em nossas vidas sem nos restringirmos a passagens específicas. Ao invés da pergunta: como a Palavra de Deus me orienta a viver como mulher? A pergunta deveria ser: como devo exercer melhor a minha fé segundo a Palavra de Deus? Ou, como a Palavra de Deus orienta o meu viver cristão?

Ao ler Tito, capítulo 1:5-8, eu aprendo sobre os princípios que todo o cristão deve buscar: viver de modo irrepreensível, ser fiel (marido de uma só mulher),  ser humilde (não arrogante), ser temperante (não irascível), ter domínio próprio (não dado ao vinho), ser paciente (não violento),  ter contentamento (não cobiçoso de torpe ganância), ser hospitaleiro, ser amigo do bem, sóbrio, justo, piedoso, ser apegado à Palavra fiel e ser apto a ensinar. É aplicando estes princípios gerais que posso me tornar uma mulher mais fiel, uma estudante mais fiel, uma esposa mais fiel, uma mãe mais fiel, uma profissional mais, e assim por diante. Mas, perceba que o foco do texto não é nos tornar mulheres, mães, profissionais mais fiéis, mas cristãos mais fiéis. As demais coisas são as consequências, o resultado da aplicação desses princípios gerais às nossas realidades específicas.

Diante disso, pergunto, mais uma vez: como eu, sendo uma mulher, de 28 anos, não casada, devo ler Tito? Bem, da mesma forma que todo o cristão deve ler Tito: observando as verdades ali contidas, interpretando-as, e aplicando-as verdades em minha vida; deixando de ser irascível, não me deixando dominar por vícios; sendo temperante e exercitando o domínio próprio. Não são estas as virtudes do fruto do Espírito? Uma leitura atenta das Escrituras é suficiente para mostrar que tais virtudes devem ser buscadas pelos cristãos de modo geral, ao passo que devem ser critérios inegociáveis para os homens que almejam liderar a Igreja de Cristo. Portanto, embora as atribuições possam variar, o fruto é o mesmo para todos.

A realidade é que o grande problema hoje é que boa parte das mulheres estão mais preocupadas em ser femininas do que em ser genuinamente cristãs; elas estão mais preocupadas com as atribuições do que com o fruto, e este é um caminho perigoso. Parece óbvio, mas é fato: não existe uma Bíblia para o homem, uma Bíblia para mulher, uma para a solteira, uma para a casada, uma para a mulher com filhos e uma para mulher sem filhos; nem uma Bíblia para a adolescente e uma para o idoso. Precisamos parar de enxergar a Bíblia como algo que diz respeito primeiramente a nossas particularidades.

Como posso viver a feminilidade bíblica sendo solteira? Como posso viver a feminilidade bíblica sendo casada? Não, a pergunta não é essa.

Até hoje ninguém conseguiu definir a feminilidade bíblica. Talvez isso se dê porque a própria Bíblia não intentou criar uma definição sobre como ser um “tipo diferente de cristão”. Não se trata de um conjunto de regras – nós gostamos delas, não é mesmo? Parecem tornar a vida mais fácil. Mas, ao invés disso, creio que a feminilidade bíblica é muito mais o resultado da aplicação das verdades bíblicas dentro de uma condição específica, nesse caso, o fato de ser mulher. Ao invés de regras sobre como exercer uma feminilidade bíblica, a Bíblia nos orienta sobre como sermos verdadeiros cristãos e nos encoraja a aplicar esses princípios em nossas vidas de modo integral. Não há mistério a ser desvendado, a resposta é simples: viva o Evangelho e você estará exercendo sua feminilidade conforme Deus a projetou.

Então, o que isso significa? Já não podemos mais fazer estudos bíblicos usando mulheres ou tratando de assuntos específicos relacionados à feminilidade? Será que devemos, então, abolir as Bíblias cor de rosa e reprimir os estudos sobre Débora? Não – aliás, tudo bem termos nossas Bíblias floridas e cheias de recursos mimosos – Contudo, precisamos parar de reduzir as narrativas bíblicas aos encontros de Jesus com mulheres, às passagens sobre mulheres e a lições sobre mulheres. Isso significa que nossa leitura da Bíblia não deve ser feita a partir de lentes cor de rosa. A Bíblia não é sobre a mulher. E… permitam-me acrescentar, antes que a alguma mente polarizada venha interferir no discurso, a Bíblia também não é sobre o homem. A Bíblia é a história do Deus, dentro da qual somos todos coadjuvantes. A Bíblia toda, para todos os crentes, e para o crente todo. É disso precisamos.

No Amor de Cristo,

Prisca Lessa