CONTENTAMENTO EM UMA CULTURA DE CONSUMO: estamos consumindo ou sendo consumidos?    

A Cultural Marvel

Geralmente, quando pensamos em contentamento o relacionamos diretamente às circunstâncias difíceis da vida. Sabemos que quando as coisas vão mal devemos encontrar contentamento no Senhor. Mas, ainda que o contentamento se aplique às circunstâncias difíceis da vida, ele vai além delas; não se trata apenas um de consolo, mas de uma virtude que deve permear nossas vidas em toda e qualquer circunstância.

Em seu livro Contentamento: um estudo para mulheres de todas as idades (ed. Trinitas), Nancy Wilson define contentamento como sendo “a habilidade de permanecer satisfeita com a vontade de Deus em todas as circunstâncias, sejam elas fáceis, sejam elas difíceis”. De fato, o contentamento está diretamente relacionado a estarmos satisfeitas em Deus em todas as circunstâncias de nossas vidas, sejam elas boas ou más. Mais do que um tema bonito a ser estudado, o contentamento é, antes, uma virtude. Ao buscarmos essa virtude aprendemos a administrar nossas vidas diariamente com a sabedoria que o Senhor requer de nós.

Minha intenção nesse texto não é focar tanto no aspecto teológico do contentamento e, sim, em seu aspecto prático. Gostaria de refletir como você acerca de como a falta de contentamento em Deus nos torna vulneráveis aos ídolos, focando especificamente em um: o consumismo.

Você já notou que o consumismo é um dos ídolos desta geração? Nos tornamos escravos da necessidade de consumir. Não importa o que seja, somos diariamente impelidos ao consumo. Nesse aspecto é inevitável não falar das redes sociais, pois elas se tornaram uma vitrine, uma das maiores, senão as maiores, ferramentas de propaganda e marketing em nosso tempo. Por meio delas estamos sendo frequentemente induzidas a consumir coisas, mesmo aquelas que, definitivamente, não necessitamos.

Essa onda de consumo produz dois efeitos: ou nos tornamos consumidores compulsivos, ou nos tornamos insatisfeitas por não podermos consumir tudo o que está na vitrine. Por mais que tentemos manter a razão e nos convencer do contrário, lá no fundo, nós ainda acreditamos que possuir determinada coisa nos fará pessoas melhores e mais felizes.

Cá entre nós, você se considera uma pessoa consumista? Você já parou para analisar a maneira com a qual lida com o consumo? Você é uma pessoa que está sempre adquirindo coisas/novidades? Talvez você não seja do tipo de mulher que compra roupas e sapatos freneticamente, mas, e quanto a livros, por exemplo? Você é daquelas que não pode ver um lançamento que já corre para encher o seu carrinho? Você adquire para si mais do que é capaz de consumir? Se sim, então, junte-se a mim, vamos refletir sobre como o contentamento nos ajuda a vencer o consumismo.

Antes de mais nada, quero deixar claro que minha intenção não é demonizar o consumo. Eu estaria sendo hipócrita se o fizesse, afinal, todos consumimos. Não é pecado adquirir ou desejar adquirir coisas, seja por necessidade ou prazer, podemos glorificar a Deus adquirindo aquilo que necessitamos, apreciamos e que nos proporciona prazer e alegria. Como disse o Pregador em Eclesiastes 3:11 – 13 “todas as coisas que Deus fez são boas, a seu tempo […] nada é melhor para o homem do que alegrar-se e procurar o bem-estar durante sua vida […] comer, beber e gozar do fruto de seu trabalho é um dom de Deus.” Assim como nós devemos glorificar a Deus ao trabalhar, também devemos glorifica-lo ao desfrutar do fruto do nosso trabalho. Portanto, quer comamos, quer bebamos, ou façamos, qualquer outra coisa, devemos fazer tudo para a glória de Deus (cf. 1Co 10:31).

Sendo assim, podemos concluir que o pecado não consiste no simples ato de consumir, pois o consumo é uma dádiva do Senhor. O grande problema ocorre quando fazemos mau uso dessa dádiva. É nesse ponto em que precisamos estar alertas, pois, se ao invés de consumirmos coisas passamos a ser consumidos por elas corremos o risco de tornar o consumo um caminho para o orgulho e a autossatisfação. Nesse caminho criamos um ídolo e nos tornamos consumistas. Julgando-nos consumidores, acabamos sendo consumidos por um sistema que nos impulsiona e ter cada vez mais e nunca estar satisfeitos com aquilo que já possuímos.

Ao invés de nos tornarmos satisfeitos com aquilo que possuímos, o consumismo nos induz a um caminho de insatisfação com aquilo que possuímos e inquietação por aquilo que não possuímos. Essa inquietação e insatisfação revelam nossa falta de contentamento. Lendo Filipenses 4:11 – 13 fiquei refletindo nas palavras do apóstolo Paulo no que diz respeito ao contentamento e concluí que ele está diretamente relacionado nosso consumo.

Relembre que na ocasião em que o apóstolo Paulo escreveu esta epístola ele se encontrava preso. Agora imagine um homem preso dizendo as seguintes palavras: “Tenho o bastante, e tenho em abundância”, ou, “o que tenho agora é mais que suficiente”. Precisamos admitir que mesmo estando em realidades tão menos conturbadas do que as que apóstolo Paulo estava enfrentando, dificilmente fazemos tais afirmações. A vida de contentamento nutrida por Paulo não somente o fazia estar contente em meio às tribulações como também estar grato e satisfeito com aquilo que possuía em cada momento de sua vida. Ao ler estas palavras posso concluir que Paulo, certamente, não era alguém consumista. Gostaria de compartilhar algumas razões que me levaram a essa conclusão.

  • “O que tenho é mais que suficiente” (Fp 4:18). Apesar das privações, Paulo consegue olhar para a sua realidade e perceber, com gratidão, tudo quanto possui, ao invés de se focar naquilo que não possui.

Certamente, há inúmeras coisas que você poderia possuir, mas não possui. Em contrapartida, há outras inúmeras coisas que você possui e que talvez não dê o devido valor. Será que você realmente precisa de mais um item no seu guarda-roupa? Será que a aquisição do último lançamento é realmente tão urgente assim?

Lembro-me das primeiras vezes em que estive na Conferência Fiel, comprei tantos livros que até hoje, anos depois ainda não li, muitos dos quais sequer tirei da embalagem! Essa experiência me fez refletir sobre necessidade e consumismo, ao invés de comprar segundo minha necessidade, eu estava simplesmente me guiando pelo prazer de obter um novo livro ou determinado livro. Não estou querendo dizer que não possamos comprar livros cujas leituras não faremos imediatamente, nem que não possamos aproveitar as boas promoções que a internet nos oferece, estou apenas dizendo que o contentamento deve pautar nossas prioridades e nossas escolhas. Talvez, mesmo diante de uma grande oportunidade de obter mais coisas você deva dizer, tal como o apóstolo Paulo: “o que tenho agora é o suficiente”, mas afirmar isso não é uma tarefa fácil.

A falta de contentamento é um dos fatores que nos leva ao consumismo.

O segundo ponto que me leva a concluir que o apóstolo Paulo não era alguém consumista é:

  • O meu Deus suprirá todas as necessidades de vocês, de acordo com as suas gloriosas riquezas em Cristo Jesus.” (Fp 4:19). Seu amor e preocupação pelo próximo. Embora estivesse preso e necessitado de tantas coisas o coração do apóstolo Paulo estava voltado para as necessidades do próximo. Ele olha para esses irmãos e se preocupa com o bem-estar deles, e lhes consola dizendo que o seu Deus também supriria as necessidades de cada um deles, de acordo com as suas gloriosas riquezas.

Mas, talvez você pergunte: o que o amor e a preocupação pelo próximo têm a ver com o consumismo? Bem, o fato é que nossa cultura consumista nos faz olhar sempre para aquilo que não temos, para aquilo que nos falta. De modo que o foco está sempre em NÓS: nossas necessidades, nossas aspirações, nosso prazer, nossas realizações. Tudo está primeiramente relacionado ao EU. Se estamos ocupadas demais pensando naquilo que nos falta não temos tempo para olhar para as necessidades do próximo. Portanto, o consumismo não é nocivo somente para nós, mas também para o nosso próximo. Quanto mais focados em nossas próprias necessidades mais consumistas nos tornamos, e quanto mais consumistas nos tornamos menos atentos às necessidades do próximo.

Se não nos importamos com as necessidades do nosso próximo, será que estamos, de fato, estamos exercendo o amor que a Bíblia nos ordena? O consumismo está diretamente relacionado ao excesso de amor a si mesmo e nos conduz a um pecado sobre o qual não ouvimos falar muito: a avareza.

Um dos grandes produtos da avareza em nossos dias é o consumismo, afinal o amor próprio exige que as necessidades pessoais sejam colocadas em primeiro lugar. Consequentemente, as pessoas se tornam consumidoras frenéticas e alvos fáceis de propagandas enganosas que oferecem “tudo” aquilo que precisam para ficarem ainda melhores do que já são. O consumismo é um prato cheio para a fome de amor próprio.

A avareza nada mais é do que a falta de generosidade, 2 Tm 3:2 relaciona esse pecado à frieza espiritual que acometeria as pessoas nos últimos tempos. A medida em que nos tornamos mais consumistas, nos tornamos também menos generosos. Precisamos admitir que as ofertas as doações, os investimentos em missões estão diminuindo cada vez mais. Estamos cada vez menos preocupados com os outros e mais preocupados com nós mesmos. As pessoas nunca têm dinheiro para ajudar alguém, mas sempre têm o bastante para fazer novas dívidas e adquirir novos bens.

Ofertar R$50,00 parece pesado, sentimos que fará falta em nosso orçamento mensal, mas gastamos muito mais do que isso num piscar de olhos com coisas supérfluas.

O descontentamento faz com que achemos que sempre precisamos de algo, então, deixamos de ofertar porque supostamente esse valor nos fará falta. Nos convencemos de que quando nossa necessidade for suprida, então, poderemos ajudar ao próximo, mas isso nunca acontece. Não conseguimos dar nem mesmo aquilo que sobra, pois, para o consumista, nunca sobra nada.

Ofertar não é dar o que sobrou, é justamente separar aquilo que poderia ser para o meu uso e dedica-lo para o uso se outro. Isso é amar ao próximo como a ti mesmo, pensar nas necessidades dele tal como penso nas minhas.

Estamos tão preocupados em consumir que paramos de nos importar com as necessidades do próximo. Nosso dinheiro é dedicado exclusivamente para suprir as nossas próprias necessidades e de nossa família.

Mas, quando deixamos de pensar tanto naquilo que nos falta e contemplamos aquilo que recebemos, nos sobra tempo para pensarmos nas necessidades do próximo e podemos, finalmente, exercer a generosidade.

Precisamos aprender com o apóstolo Paulo a olhar além das suas necessidades.

O terceiro ponto que me faz concluir que o apóstolo Paulo não era consumista é:

  • “Em todas as minhas orações em favor de vocês, sempre oro com alegria” (Fp 1:4). Sua intercessão em favor dos filipenses. Além da clara manifestação de amor ao próximo ao se importar com suas necessidades (cf. Fp 4:19), o apóstolo Paulo também intercede por esses irmãos. Mesmo estando numa situação tão difícil ele intercedeu por suas necessidades.

Por que será que intercedemos tão pouco hoje? Acredito que o consumismo limite a nossa intercessão. Estamos sempre olhando para nós mesmos, e nas raras vezes em que olhamos para o próximo o fazemos com motivações erradas, para fazermos comparações. O apostolo Paulo olha para a realidade de seus irmãos, não para fazer comparações, mas para interceder e encoraja-los. “Em todas as minhas orações por vocês, sempre oro com alegria […] O meu Deus suprirá todas as necessidades de vocês” (Fp 1:4; 4:11).

Quando Paulo afirma que Deus há de suprir as necessidades dos filipenses, eu me pergunto: quais necessidades? Como Paulo conhecia as necessidades daqueles irmãos a ponto de poder interceder por elas? Bem, a resposta é simples, ele tinha intimidade com eles. A intercessão é baseada na necessidade que alguém possui. Você não pode interceder eficazmente por alguém sem conhecer suas necessidades. O apóstolo Paulo conhecia as necessidades desses irmãos.

O consumismo tende a tornar nossos relacionamentos superficiais

Quando nossos relacionamentos se tornam superficiais sabemos somente o que o outro possui, mas, nunca o que ele necessita. Para transpor essas barreiras precisamos ir além das aparências, ir além da vida instagramica, deixando o posto de expectadores para nos tornarmos cooperadores.

Não existe ninguém, por maior felicidade que transpareça, que não tenha necessidades, que não tenha um motivo de oração, ou que não esteja passando por alguma situação de medo, ansiedade ou dificuldade. Como cristãos é nosso dever ajudar, apoiar, encorajar e interceder. Quando me torno menos consumidor e mais contente no Senhor eu consigo enxergar o outro, perceber suas necessidades e orar por elas. Tiro o foco daquilo que não tenho, sou grata pelos recursos que tenho e me empenho em dar mais do que receber.

O consumismo é um prato cheio para a fome de amor próprio. Pessoas consumistas se tornam alvos fáceis de propagandas enganosas que oferecem “tudo aquilo que precisam” para ficarem “ainda melhores do que já são”. Não é de se espantar que uma geração tão amante de si mesmo seja também uma geração tão consumista.

O quarto motivo pelo qual concluo que o apóstolo Paulo não era um consumista é:

  • O meu Deus suprirá todas as necessidades de vocês, de acordo com as suas gloriosas riquezas em Cristo Jesus.” (Fp 4:19). O encorajamento. Paulo encoraja esses irmãos dizendo que Deus supriria suas necessidades de acordo com suas gloriosas riquezas em Cristo Jesus. Paulo possuía uma profunda certeza acerca disso. Ele estava certo de que Deus assim agiria. Por que? Porque ele mesmo era alvo dessa graça, ele havia experimentado essas bênçãos em sua vida, de modo que podia testemunhar com veracidade e convicção.

Quando nos tornamos consumistas não conseguimos perceber que Deus está suprindo nossas necessidades. De fato, o consumismo nos priva de ver a providência de Deus nas mínimas coisas. Estamos sempre tão prontos a abrir nossas carteiras e comprar o que queremos que perdemos algumas bênçãos do céu. Aprendo muito com meu noivo nesse sentido, ele é um seminarista cursando seu último ano de Teologia. Como aluno interno ele estuda em tempo integral, logo, não pode trabalhar fora da instituição. Ele não possui um salário mensal, mas devo dizer quem nem mesmo Salomão, em toda a sua glória se vestiu como ele rs. Com isso quero dizer que sua dependência de Deus lhe permite desfrutar de bênçãos que dinheiro algum pode comprar. Ele tem tudo o que precisa e está sempre suprido. De uma forma muito especial, o Senhor sempre faz com que os recursos necessários cheguem até ele e muito além disso. Quando algo falta, e eu fico pensando em como administrar as finanças para conseguir tal coisa, ele diz: vamos orar. E sabem do que mais? Nossas orações têm sido atendidas. Eu preciso aprender a ser mais como esse homem.

Crer que Deus está suprindo nossas necessidades produz contentamento.

Mas, o que tem a ver a falta de contentamento com a falta de encorajamento ao próximo? Bem, se não creio que Deus está suprindo as minhas necessidades, como posso encorajar meus irmãos afirmando que Deus suprirá as necessidades deles? Nossa falta de contentamento se reflete em nossa falta de encorajamento.

Sim, precisamos buscar uma vida de contentamento. Contentamento não é somente permanecer firme e inabalável no Senhor em meios as adversidades, é também resistir à cultura de consumo que nos diz que aquilo que possuímos já não é bom o bastante, que tudo precisa ser trocado o tempo todo; uma cultura que nos faz olhar sempre para fora, para o que supostamente nos falta, e nunca para dentro, para aquilo que já recebemos. Precisamos lutar contra essa inquietude que nos faz sentir que se não adquirimos aquele último lançamento estaremos em desvantagem.

O contentamento exercita o músculo da gratidão

Nos últimos anos tenho aprendido a fazer o seguinte exercício: olhar para o passado. Sim, não para lamentar, mas para agradecer. Há 10 anos eu estava concluindo o Ensino Médio, eu era uma jovem tão diferente desta de quase 28 anos. Nos meus melhores planos eu não imaginaria que o Senhor me traria até aqui. Não que minha vida seja um sonho, mas de fato, os planos do Senhor são sempre melhores que os nossos. Nós desejamos chegar ao nosso destino em linha reta, mas Ele nos conduz por caminhos tortuosos para que cheguemos mais semelhantes a Cristo. Naquela época eu tinha tantos medos, ainda os tenho, mas posso agradecer a Deus por ver que Ele tem me concedido tudo o que preciso. Ele tem sido generoso para comigo – eis a grande razão pela qual também devo ser. Faça esta breve reflexão: onde e como você estava há 5 ou 10 anos? Como e onde você está agora? Estou certa de que você encontrará mais motivos para agradecer do que lamentar.

O Senhor age com tamanha bênção sobre o seu povo, que dificilmente encontraremos um crente convencido de que sua vida tem sido pior a cada ano. Pelo contrário, o Senhor nos concede melhorias a cada nova estação. Adquirimos, maturidade, sabedoria, beleza, graça, bens, família, empregos, melhores condições, realizamos sonhos, mesmo aqueles pequenos, estudamos, nos formamos, temos filhos e a vida vai florescendo, um dia de cada vez. Estamos sempre recebendo muito mais, da parte de Deus, do que imaginávamos. Isso é graça.

Por fim, em suas últimas palavras o apóstolo Paulo diz que tem em abundância. O que é abundância para você? Paulo fez tal afirmação, não porque tenho muito, mas porque Deus estava suprindo suas necessidades. Quer abundância maior do que esta? Quando Deus nos supre, não importa o quanto temos, sempre temos em abundância.

Queridas irmãs, somos constantemente assediadas por esse mundo compulsivo e consumista, não estamos imunes. Eu me coloco ao lado daquelas que lutam para não serem impulsionadas pela simples necessidade de consumir. Preciso da graça de Deus todos os dias quando abro as redes sociais e a cada vez que abro minha carteira. Se Cristo é o meu Senhor, então Ele é Senhor de tudo, de absolutamente tudo. Em meio a essa cultura de consumo desenfreado oro para que o Senhor nos ajude a exercer o contentamento, pois, somente por meio de um coração contente poderemos nos libertar dos laços do consumismo.

Um abraço fraterno,

No amor de Cristo,

Prisca Lessa