Sobre trabalhar naquilo em que você acredita (um paradoxo).

WhatsApp Image 2019-04-17 at 23.42.38Eu sempre sonhei em abrir uma escola por acreditar que precisamos investir nas crianças. Não por aquilo que elas serão, mas porque elas já são.

Por outro lado, sempre acreditei que as crianças não deviam ir à escola antes dos 6 anos.

Mas, sabe, Deus tem uma maneira muito peculiar de trabalhar com cada um de nós. Não me lembro como isso aconteceu, só sei que um dia fui visitar o Espaço Educacional Crescer e desde então, nunca mais saí de lá, algo ali me cativou. Comecei a trabalhar como voluntária, depois desenvolvi um projeto com famílias, atuei na parte pedagógica e esse ano recebi a missão de cuidar também da parte administrativa.

Espaço Educacional é uma associação privada sem fins lucrativos, conveniada com a Prefeitura de Vargem Grande Paulista, ela nasceu no berço da Faculdade Teológica Sul Brasileira, onde cresci e me formei. Nossa missão é proporcionar uma “educação de qualidade acessível a todos”. Nosso sonho é poder proporcionar a cada criança, tenha ela condições ou não, uma educação de excelência. Mais do que isso, desejamos proporcionar uma educação que atenda a todas as suas necessidades, inclusive a necessidade espiritual.

Desenvolvemos projetos com as famílias porque acreditamos no importante papel que elas têm no bem-estar e desenvolvimento da criança. A escola nunca poderá substituir o papel da família, sempre levantaremos esta bandeira.

Mas, como eu disse a princípio, mesmo trabalhando na educação infantil, sempre defendi que as crianças não deviam ir à escola antes dos 6 anos. E esse vinha sendo meu conflito ético nos últimos tempos: será que eu não estava sendo incoerente ao trabalhar na educação infantil enquanto discordava do início precoce das crianças na escola? Por muito tempo esse questionamento me corroeu. Parecia que eu estava o indo contra meus princípios.

Mas, sabem, meus irmãos, Deus fala! Muitas vezes de maneira sutil, outras como um grito ecoando em nossos ouvidos. Hoje compreendo um pouco do porquê Deus me fez permanecer aqui. Eu precisava estar aqui, eu precisava aprender.

Na vida cristã, algumas coisas são taxativas, sim, sim, não, não, mas nem todas são assim. Nossa maior dificuldade é saber lidar com aquelas que não são.

É sempre muito mais fácil apontar os problemas quando estamos do lado de fora e temos um outro olhar sobre a situação. Assim, não sendo mãe, pra mim é muito mais fácil criticar a forma que uma mãe cria o seu filho. Não sendo casada, é muito mais fácil criticar uma esposa que divide seu tempo entre casamento, trabalho e estudos. É sempre mais fácil olhar do alto do nosso ideal e apontar a realidade alheia. Mas, quando descemos, começamos a enxergar a realidade do outro de forma diferente; começamos a compreender que nem todas as escolhas são baseadas no egoísmo e na ambição, muitas se baseiam nas necessidades urgentes que surgem ao longo do caminho, ou nos medos e inseguranças tão humanos que trazemos em nossos corações caídos.

Claro que sempre existem exceções, mas, o que tenho aprendido todas as manhãs é que, de modo geral, nenhuma mãe deixa seu filho na escola às 7h da manhã porque quer, mas porque precisa. Em um mundo perfeito, o ideal seria que as crianças permanecessem com suas mães até atingirem maturidade para irem à escola, mas, infelizmente, no mundo real nem sempre isso é possível. Muitas mães criam seus filhos sozinhas, outras contam com a ajuda de avós e parentes que também trabalham. Muitos pais trabalham duro para conseguirem dar o mínimo para seus filhos. São seus tesouros sendo deixados ali em dias de frio e chuva; são seus tesouros que chegam mal sabendo falar e acabam aprendendo tão depressa quanto podem para poderem exprimir suas necessidades a pessoas antes desconhecidas.

O início do ano letivo é desesperador, muito choro, ficamos sem saber a quem consolar primeiro: a criança aos berros, ou à mãe tentando ser forte. Com o passar dos dias, pais e filhos vão se tornando mais fortes, pelo menos ao que parece, ainda hoje respondemos mensagens de mães cujo coração não descansa enquanto o filho está na escola:
– Ele está bem?
– Sim, está, pode ficar tranquila.
Tentamos tranquilizar, transmitir segurança, acolher a criança e a família, pois sabemos que é um momento difícil para ambos.

Dia desses estava no estacionamento quando avistei uma mãe chorando dentro do carro. Ela chorava porque tinha deixado a filha chorando na escola. Eu a abracei.

Desde então, comecei a compreender e a refletir no porque estamos aqui. No porque somos cristãos atuando na educação infantil. No porque não fechamos as portas e, simplesmente, deixamos um artigo pregado do lado de fora explicando aos pais os benefícios de manterem as crianças em casa em seus primeiros anos de vida.

Vivemos em um mundo de pecado, as famílias carentes de apoio e orientação; e a cada criança que acolhemos, acolhemos também uma família, uma mãe, uma avó que poderia simplesmente deixar a criança em outro lugar e ir embora. Mas, Deus nos plantou aqui nesse lugar, nessa cidade, para que essas famílias tenham mais do que um lugar para deixar seus filhos, para que tenham um lugar onde encontrem verdade, paz, alegria, consolo e amor.

Muitos pais dizem: Aqui não é como nas outras escolas. Vocês tratam tão bem nossos filhos. Essas palavras são uma coroa sobre nossas cabeças, nos motivam a continuar.

Todos os dias temos a oportunidade de transmitir a verdade que recebemos a mais de 50 coraçõezinhos pulsantes, já imaginou o impacto disso? Não há como saber o futuro que cada uma dessas crianças terá, mas podemos, pelo menos garantir um presente melhor, com esperança, alegria, paz, amor – amor que muitos não recebem em casa. Só Deus sabe a realidade traumática que muitas delas enfrentam, mas aqui nós as amamos.

Seguindo a ordem do Senhor, deixamos vir as crianças e não as detemos porque se elas são preciosas para Deus, como não seriam para nós? Deixamos elas crescerem, descobrirem e explorarem o mundo de Deus. Como elas vibram com as coisas comuns, com as pequenas descobertas. Todos os dias elas nos ensinam algo, às vezes, apenas o quanto precisamos ser como elas: simples, humildes, frágeis e necessitadas. Enquanto escrevo, posso ver os olhinhos de cada uma delas.

Sabem, ainda não sei como vim parar na Educação Infantil. Mas, o que sei é que essas famílias precisam de nós, e como cristãos, nós estamos aqui para servi-las com todo amor e dedicação; com a qualidade e excelência que o mundo oferece só a aqueles que pagam, e pagam caro, por isso. Deveria ser normal, mas em um mundo como o nosso, isso é revolucionário, no melhor dos sentidos.

Meu coração está aqui todos os dias. Mesmo idealizando que cada criança pudesse permanecer no aconchego do seu lar, entendo que essa realidade não pertence a todos. Por isso estamos aqui para os pais que precisam de nós, proporcionando um ambiente seguro para o desenvolvimento das crianças, longe de ideologias malignas.

Meu sonho era abrir uma escola, mas, Deus me deu uma missão muito maior: servir. É por isso que estamos aqui. Talvez um dia eu Ainda abra uma escola, mas ainda tenho muito o que aprender.

Queria concluir dizendo que esta semana ensinamos a eles o verdadeiro sentido da Páscoa para as crianças. Enquanto conversava com uma avó na saída sobre como a Páscoa foi substituída por coelho e ovos de chocolate, a neta de 3 anos, que até então parecia entretida com outras coisas, rapidamente corrigiu:
– Não é coelhinho vovó, é o cordeiro. É a Páscoa de Jesus.

Nosso trabalho não é vão no Senhor. Sou grata por poder servir a eles.

Não sei como concluir, minha intenção era apenas falar das atividades da semana da Páscoa, mas fui longe rs. Talvez eu deva, então, concluir dizendo o que se espera: Feliz Páscoa.

No amor de Cristo,

Prisca Lessa