O sofrimento justifica minha falta de amor? Olhe para a cruz!

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“E junto à cruz estavam a mãe de Jesus, e a irmã dela, e Maria, mulher de Cléopas, e Maria Madalena. Vendo Jesus sua mãe e junto a ela o discípulo amado, disse: Mulher, eis aí teu filho. Depois, disse ao discípulo: Eis aí a tua mãe. Dessa hora em diante, o discípulo a tomou para casa” (João 19:25-27)

Essa é a narrativa do apóstolo João acerca das últimas horas de Jesus. Nesta ocasião, o Senhor já estava crucificado; cansado, faminto, sedento, ferido. A dor da traição também o afligia; muitos dos seus discípulos o haviam abandonado. Mas, ali, junto à cruz, permaneciam alguns dos seus, dentre eles Maria, sua mãe, e também o discípulo amado[1].

Aquele era, sem dúvida, o pior momento da vida de Jesus, Ele experimentava dor intensa em todas as dimensões do seu ser. Estava esgotado, não havia mais forças em si mesmo. O Salvador estava prestes a morrer, mas não sem antes nos falar ao coração mais uma vez: ali, nas piores condições, Jesus nos ensina um dos grandes princípios da fé cristã: o amor ao próximo.

Em seu momento de dor, Jesus não deixou de lado o grande mandamento, Ele amou, e amou até o fim. João nos conta de um momento íntimo exclusivo em sua epístola, onde Jesus, Filho de Deus nascido de mulher, expressa seu amor e cuidado por sua mãe. Maria permaneceu ao seu lado até o último instante. Não ousou tentar impedir que esse momento ocorresse – ela sabia que para este momento o Filho de Deus lhe fora concedido. Ainda assim seu coração maternal estava em ruínas. Apesar do horror da cruz, ela não pôde deixar de estar ao lado de seu amado filho e Senhor, por meio de quem havia recebido amor e cuidado ao longo dos anos. Era uma hora difícil. Assim como os discípulos estavam incertos quanto ao futuro após a morte do Mestre, certamente, Maria também nutria medos e incertezas. O que aconteceria a partir daquele dia? Ela esteve com Jesus ao longo dos anos e recebeu dele cuidado e amparo, mas o que aconteceria dali em diante?

“Assumindo o fato de que José não era mais vivo no momento da morte de Jesus, começamos a entender o motivo pelo qual houve uma preocupação toda especial com sua mãe na crucificação. Jesus era o responsável por ela. O costume judaico dizia que, uma vez morto o pai, a herança era dividida imediatamente da seguinte forma: metade dos bens para o filho mais velho e a outra metade dividida entre os filhos homens. O primogênito ficava com a maior parte, pois lhe cabia sustentar a mãe enviuvada e as irmãs solteiras.”[2]. Conforme indicado no Evangelho de Lucas, a família de Jesus era pobre, eles não possuíam muitos recursos; Jesus não possuía uma renda, mas é possível que com o pouco ainda conseguisse suprir os cuidados de sua mãe. Porém, com sua morte Jesus se preocupou com o bem-estar de Maria manifestando sua responsabilidade de filho mais velho ao prover para ela sustento designando-lhe um filho na fé: “Mulher, eis aí teu filho. Depois, disse ao discípulo: Eis aí a tua mãe”[3].

            Esta breve, porém sensível, narrativa de João tem muito a nos ensinar. Em seu pior momento de dor, Jesus não deixou de manifestar amor. Seu amor não estava condicionado às circunstâncias, sentimentos ou pessoas. Mas nós dificilmente assumimos essa postura. Pelo contrário, é muito comum que em momentos difíceis nos isolemos, nos inclinemos ao egoísmo e coloquemos nossos sentimentos – problemas e frustrações – em primeiro lugar. Sentamos em nosso trono e julgamos que os outros têm a obrigação de se sujeitar à nossa amargura porque estamos sofrendo.

Usamos o sofrimento como uma licença para sermos insensíveis, duros e ausentes.

            Usamos a justificativa “eu não estou bem” como licença para proferir palavras amargas, deixar de dar atenção, abraçar e atender às necessidades do outro. Sob esta “licença” nos tornamos rudes, frios, desafetuosos e impacientes com aqueles que estão ao nosso redor e não nos sentimos culpados por isso, afinal não estamos e o mundo precisa entender isso. “Estou sofrendo e o sofrimento justifica minha falta de amor”.

            Mas, quando olhamos para a cruz aprendemos que nem mesmo o (pior) sofrimento justifica a falta de amor. Cristo nos ensina que o verdadeiro amor não se deixa vencer pelo sofrimento. Se há alguém que tinha o direito de viver seu sofrimento plenamente sem se importar com ninguém esse alguém é Jesus. Ele, que havia sido abandonado, poderia abandonar a todos. Ele, que havia dedicado sua vida pelos outros, poderia escolher viver aqueles últimos instantes para si mesmo; se voltar para o Pai e esquecer de todo o resto. Mas, não, o Senhor não usou o sofrimento como instrumento de egoísmo, pois, o amor nunca é egoísta.

            Não quero com isso dizer que é fácil, nós bem sabemos o quanto é difícil. É difícil amar quando estamos feridos. As palavras saem atravessadas facilmente; nossa tendência é nos voltarmos para dentro e esquecermos o mundo; nossa tendência é sentir raiva daqueles que não estão sentindo o nosso sofrimento – ainda que não expressemos isso em palavras. Quando sofremos é difícil olhar para as necessidades do outro, mas Jesus olhou. Não somente para Maria, mas para aqueles homens crucificados junto a Ele, olhou para cada um de seus discípulos, presentes e ausentes, olhou para mim e olhou pra você. Amar é a demonstração prática do evangelho e viver o evangelho não é fácil.

            O evangelho é duro, pois nos diz que mesmo sangrando devemos ser santos, devemos ser como Cristo. Ele nos aponta a direção contrária ao nosso coração e nos ensina que mesmo quando estivermos sentindo profunda tristeza de alma, devemos amar ao nosso próximo. Não devemos despejar o sofrimento sobre o outro, pelo contrário, devemos usar o sofrimento como ocasião para nos assemelharmos a Cristo. Devemos usar o sofrimento para servir e não querermos ser entronizados e adorados. O sofrimento não dominou o nosso Senhor, não deve nos dominar também. Naquele momento em que deveria ser exclusivo de Jesus, Ele se ocupou em cuidar do coração de Maria. Que o Senhor nos ajude a abençoar em meio ao sofrimento, em meio à mágoa e às adversidades da vida.

Não devemos nos deixar dominar por nada, nem mesmo pelo sofrimento.

            Jesus também nos ensina que nos momentos mais difíceis de nossa vida, Ele provê consolo de onde menos esperamos. Ele cuida de nós. Quando Maria imaginaria que João se tornaria seu filho? Que ele cuidaria dela até ditosa velhice?! Ela não sabia o que seria do seu amanhã, mas Jesus já havia cuidado de tudo. A cruz não era empecilho para o seu agir.            Podemos passar por momentos de medo e incertezas, assim como os discípulos naquela sexta-feira, mas devemos nos lembrar de que se nem mesmo os cravos impediram Jesus de suprir as necessidades de Maria, o que pode impedi-Lo agora que ele está á destra do Pai?! Ele intercede por nós, não importa qual seja o tamanho da nossa angústia, medo e necessidade. Ele cuida de nós. Não existe qualquer circunstância que possa impedir a provisão de Deus para o seu povo. Ele não falha e não se esquece de nós.

            Sabendo disso, nós podemos descansar de nossos sofrimentos, repousar em seu amor e amar uns aos outros como Ele nos ama.

O sofrimento, por maior que seja, nunca deve superar o amor. Na cruz Jesus nos mostra que nem mesmo o pior sofrimento supera o amor.

            “Tendo amado os seus, amou-os até o fim” (Jo 13:1).

Senhor, ajude-nos a amar. Até o fim.

 

No amor de Cristo,

Prisca Lessa