
É muito natural para nós pensar que aquilo em que acreditamos molda a maneira como nós vivemos. De fato, as nossas crenças têm impacto direto nas nossas práticas diárias, quer percebamos isso claramente, quer não.
Acontece que o contrário também é verdadeiro: aquilo que nós praticamos repetidamente, os nossos hábitos também estão intimamente ligados à nossa formação, e, muitas vezes, falam acerca do que cremos muito mais do que aquilo que professamos com a nossa boca.
Na Carta aos Efésios, o apóstolo Paulo faz um lembrete aos crentes: “Portanto, vede prudentemente como andais […]” Logo em seguida, lemos o famoso texto que usamos para meditar sobre gerenciamento de tempo numa perspetiva cristã: “[…] remindo o tempo, porque os dias são maus […]” Mas antes da exortação quanto ao uso do tempo, o convite à reflexão nos leva a analisar com prudência a maneira como temos vivido.
E antes que você comece a listar as dez tarefas grandiosas que você fez ou deixou de fazer para o Senhor, eu quero convidá-la a pensar naquilo que você pratica todos os dias. Afinal, aquilo que você faz repetidamente será o resultado de como você viverá a sua vida.
O “vede prudentemente como andais” não é uma advertência para você se lembrar de não cometer grandes pecados, como se Paulo fosse uma mãe que olha séria para o filho e diz: “Estou de olho em você.” “Vede prudentemente como andais” é um chamado a um escrutínio cuidadoso do que você tem feito dia após dia.
Nossas liturgias de cada dia
Autores como James K. A. Smith, Tish Warren e Justin Whitmel Earley tratam daquilo que fazemos diariamente, consciente ou inconscientemente, em termos de liturgias.
Talvez você esteja acostumada a pensar em liturgia como um termo que pertence apenas à esfera eclesiástica. No entanto, chamar de liturgia algo que repetimos diariamente nos leva a expandir a esfera da adoração aos cantos mais ordinários e comuns da nossa vida.
Cristo é Senhor de toda a vida, você há de concordar. Não há dúvidas de que Jesus deve ser o Senhor de cada área de nossa existência. Mas ele é Senhor de cada pequena atividade que fazemos?
Voltemos às liturgias.
Certamente a sua comunidade local tem uma liturgia, um jeito de conduzir principalmente o culto de domingo. Pode ser algo mais formal e elaborado ou algo mais despojado, mas certamente há uma maneira de conduzir as coisas domingo após domingo.
Você percebe que a sua igreja tem uma liturgia quando visita outra igreja. Quem nunca ficou olhando para o lado para saber se era o momento da oração ou do louvor, se a ceia aconteceria antes ou depois do sermão, se era hora de se sentar ou de se levantar? Nessas horas, nós percebemos quão acostumadas estamos à sequência de pequenas ações que acontecem repetidamente em um culto.
Da mesma maneira, os nossos hábitos nos passam despercebidos muitas vezes. E, veja bem, nós herdamos a natureza pecaminosa de nossos primeiros pais. Uma natureza que se inclina para o pecado. Além disso, a carne, o mundo e o diabo estão contra nós em nossa caminhada com Deus.
Assim, você acredita mesmo que os hábitos que nos passam desapercebidos serão naturalmente bons, santos e edificantes? Mais uma vez: “Vede prudentemente como andais.”
Em seu livro “The Common Rule: Habits of Purpose For An Age Of Distraction:, Justin Whitmel diz (p.8):
“É por isso que, para entender completamente os hábitos, você deve pensar nos hábitos como liturgias.
“A liturgia é um padrão de palavras ou ações repetidas regularmente como uma forma de adoração. O objetivo de uma liturgia é formar o participante de uma determinada maneira. Por exemplo, eu recito a Oração do Senhor todas as noites com meus filhos porque quero que as palavras da oração de Jesus sejam profundamente enraizadas neles. Quero que essa oração molde os contornos de suas vidas.
“Perceba como a definição de liturgia é semelhante à definição de hábito. Ambas envolvem algo repetido continuamente, que nos forma; a única diferença é que uma liturgia admite ser um ato de adoração. Chamar os hábitos de liturgias pode parecer estranho, mas precisamos de uma linguagem que enfatize a não neutralidade de nossas rotinas diárias. Nossos hábitos muitas vezes obscurecem o que realmente estamos adorando, mas isso não significa que não estamos adorando algo. A questão é: o que estamos adorando?”
As nossas liturgias do culto de domingo devem ser cuidadosamente pensadas porque estamos tratando do culto ao Senhor, e esse momento é, sem dúvidas, uma ocasião especial. Deus convoca o seu povo a adorá-lo em comunidade. Isso deve nos inspirar temor e maravilhamento.
Mas isso não significa que as nossas liturgias ordinárias, aquelas do dia a dia, não precisem de ponderação também, afinal, toda a nossa vida é vivida diante do Senhor. Não existe território neutro na nossa agenda.
E digo mais: você passará muito mais tempo adorando o Senhor por meio das suas liturgias ordinárias do que nos cultos de domingo. Então, como anda a sua vida de adoração? “Vede prudentemente como andais.”
Como você começa o seu dia?
O despertador toca. Mais um dia está começando. Resmungos saem da sua boca e você ativa o modo soneca do celular para dormir mais 10 minutinhos. Você está cansada porque levou o celular para a cama e ficou rolando o feed até tarde. Então, para aguentar as atividades entediantes que a esperam naquele dia, você pega o celular mais uma vez para ver se alguma novidade nas redes sociais a anima. Antes mesmo de sair da cama, a sua liturgia matinal já foi feita. É assim que você tem andado?
Como mulheres cristãs, queremos ser santas e viver de modo a agradar a Deus. A maneira de viver do mundo não é o que queremos, podemos dizer. Mas, de maneira prática, os nossos hábitos gritam mais alto aquilo em que cremos verdadeiramente. As liturgias do entretenimento, das redes sociais e do consumismo estão nos moldando de maneiras que não conseguimos nem mensurar.
Por isso, eu quero convidá-la a começar o dia de maneira diferente. Que tipo de liturgia matinal condiz com aquilo que você diz crer?
“De manhã te apresento a minha oração e fico esperando.”, é o que diz o salmista (Sl 5:3).
Que tal começar o dia na noite anterior, dormindo mais cedo a fim de acordar mais disposta para o dia que o Senhor fez?
Que tal acordar no horário correto, para fugir da correria da manhã e apresentar ao Senhor a sua oração, pedindo que cada pequena ação do seu dia demonstre que você é uma filha de Deus?
Que tal deixar um pouco o celular de lado e abrir a sua Bíblia logo nos primeiros momentos do dia, buscando em Deus palavras de vida que nortearão o seu dia?
Veja prudentemente como você tem andado, minha irmã, não como uma néscia, mas como sábia, aproveitando ao máximo as oportunidades que o Senhor tem lhe dado para adorá-lo em cada liturgia ordinária e comum do seu dia.
Gabriela Bevenuto